O ensino profissionalizante conta com uma longa história no sistema educativo português. Contudo, foi com a introdução dos cursos profissionais no ensino secundário público que chegamos, em 2020/2021, a 68.035 inscritos nestes cursos nas escolas públicas em Portugal Continental (de um total de 297.933 estudantes secundários) e 11671 estudantes só nos cursos da área das Ciências Informáticas. Já nesses cursos, somente 808 raparigas estavam inscritas, o que representava apenas 6,92% do total. E, estranhamente, esta percentagem diminui a cada ano: em 2015/2016 (9,97%), 2016/2017 (9,07%), 2017/2018 (8%), 2018/2019 (7,68%) e 2019/2020 (7,40%).
Alerta vermelho para esta desigualdade
É importante esclarecer que os cursos profissionais são um percurso de ensino secundário com dupla certificação: ao completar o secundário, o(a)s estudantes terão aptidões para a inserção imediata no mercado de trabalho e também para o prosseguimento em estudos superiores.
Em paralelo a este movimento, acompanhamos os debates e estímulos sobre (e para) a igualdade de género e a representatividade feminina no mercado de trabalho permeando estratégias políticas e práticas variadas em prol da sustentabilidade das economias, das instituições e das carreiras, principalmente nas áreas denominadas STEM (acrónimo em inglês para “Science, Technology, Engineering, and Mathematics). Faz-se urgente trazermos as mulheres para preencher as lacunas no pujante mercado das Tecnologias.
Investigações no campo da Educação no mundo inteiro buscam entender as relações entre o género, as áreas STEM e o mercado de trabalho. No entanto, no contexto português, até 2021 não existiam artigos científicos ou teses de doutoramento sobre a participação das raparigas nos cursos profissionais secundários na área Tecnológica. Nesta revisão de literatura científica realizada em meu doutoramento em Educação e Formação de Adultos, identifiquei que os estudos foram direcionados às assimetrias de género no ensino superior, mantendo o desconhecimento sobre as raparigas no ensino profissionalizante, este que pode ser uma porta de entrada (ou de saída precoce) para as mulheres nessas áreas profissionais.
Ainda há muito o que conhecer sobre a participação das mulheres nestes cursos e carreiras e os fatores de desistência em Portugal, mas, inegavelmente, a área das Tecnologias apresenta as melhores remunerações médias, uma grande diversidade de atividades profissionais e de oportunidades no mercado de trabalho, além de contribuir para o empoderamento financeiro das mulheres, envolvendo diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O ensino profissionalizante em Portugal contribuiu para que 91,8% do(a)s estudantes concluíssem o secundário em 2022, o que posiciona o país entre os melhores resultados ao nível da UE. Todavia, ao colocarmos a lupa sobre as raparigas nos cursos secundários nas Ciências Informáticas, percebemos que a realidade é diferente. No ciclo letivo entre 2018/2019 (10º ano) e 2020/2021 (12º ano), desistiram destes cursos 13,32% dos rapazes e 27,49% das raparigas. Isso sem adentrarmos nas curiosas assimetrias distritais.
O que acontece para elas desistirem mais?
É claro que estes dados são apenas a ponta do iceberg da questão das raparigas nas STEM e que é preciso entendermos os contextos regionais, as características e trajetórias individuais e as peculiaridades dessa modalidade formativa e do ecossistema da indústria das TI para explorarmos os fatores de influência, os desafios e as oportunidades de melhorias nos esforços políticos e institucionais na temática, e é isso que tenho investigado por meio de análises documentais, estatísticas e de entrevistas com as próprias estudantes.
De partida, parece-me importante investirmos em mais sinergias entre as escolas, a Academia, as famílias e as empresas, para ampliar (e melhorar) a presença das raparigas em STEM e em outros espaços. Cooperemos com elas, em prol do desenvolvimento socialmente justo das pessoas e da sociedade.
Ana Guimarães Duarte é doutoranda e Mestre em Educação e Formação de Adultos, Formadora em Igualdade de Género, Relações Públicas e Gestora de Projetos em Responsabilidade Social Corporativa. Resultados parciais da Investigação de Doutoramento em Educação e Formação de Adultos em andamento na UIDEF do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, com financiamento FCT/ IP/MCTES/Portugal, fundos PIDDAC UIDP/ 04107 2020 e UIDB/ 04107 2020.
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.
