Quando penso no que conhecemos do mar vem-me invariavelmente à cabeça a imagem do intrépido explorador francês de barreta vermelha, Jacques Yves Cousteau, à proa do lendário Calypso a apontar para o horizonte azul longínquo. Mas talvez não pelas melhores razões.

Não que eu tenha algum sentimento negativo pelo explorador francês e o seu famoso navio, muito pelo contrário. Foi em grande parte devido aos seus documentários que há mais de duas décadas nasceu em mim uma vontade incomensurável de explorar o nosso mar, que levaria a que deixasse para trás uma licenciatura em direito e perseguisse o sonho de ser cineasta subaquático.

Mas quando penso nos documentários que tanto me influenciaram, lembro-me de um grupo de exploradores a aventurar-se onde nenhum ser humano tinha ido antes, enfrentando o abismo e o desconhecido. Na verdade, a aventurar-se num ambiente inexplorado quase infinito, que cobre 70% do planeta, tão extenso que parecia que a raça humana nunca o poderia explorar todo, quanto mais afetar.

A realidade é que bastaram quatro décadas de poluição, excesso de pesca, aquecimento global e uma explosão da navegação e exploração petrolífera off-shore para que o impacto humano na imensidão do oceano se tornasse visível mesmo nos locais mais remotos do planeta.

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No tempo de vida de uma grande baleia desaparecem dos nossos oceanos metade dos corais devido ao aquecimento global e acidificação da água, e 90% dos peixes de grande porte como os atuns e espadins. Despejamos tantos metais pesados no mar que se acumulam ao longo da cadeia alimentar, que muitos dos predadores de topo dos oceanos apresentam concentrações tão elevadas de mercúrio e outros poluentes que não são seguros para o consumo humano. Todos os anos mais de 14 milhões de toneladas de plástico vão parar ao oceano enquanto lhe retiramos mais de cem milhões de tubarões, levando a que nas últimas décadas cerca de um terço  das espécies dos tubarões esteja em risco de extinção. Enfim, no tempo de uma geração percebemos que o mar não é infinito e que por mais extenso que seja, nós, seres humanos, o afetamos, do polo Norte ao Polo Sul.

Mas há algo incomensuravelmente mais importante que ainda não percebemos. É que nós dependemos do mar, e que não existe futuro ou bem estar para a humanidade sem Oceanos saudáveis. Na verdade, o mar é a origem de toda a vida na terra e talvez mesmo do nosso vasto universo e alberga 94% da vida no nosso planeta. Aliás, mais de metade do oxigénio que respiramos não é produzido na floresta amazónica mas sim no mar, tal como a maioria do dióxido carbono que produzimos em excesso e injetamos na nossa atmosfera… também é absorvido pelo mar.

Curiosamente, tantos anos volvidos dos documentários do famoso explorador da barreta vermelha exploramos cada vez mais o mar mas continuamos a não o conhecer. Aliás, calcula-se que 80% do mar seja totalmente desconhecido para a ciência e que se saiba mais sobre a superfície da lua ou mesmo de Marte do que sobre as partes mais profundas dos nossos oceanos.

Sem conhecimento não há conservação, já que dificilmente se pode proteger o que não se conhece. E quanto a Portugal? Portugal é mar. Literalmente. Não estou a evocar epopeias marítimas do passado, mas 97% do território nacional é composto por mar. Muito graças aos arquipélagos dos Açores e Madeira, Portugal é pequeno em território terrestre mas um gigante do mar, detendo a terceira maior ZEE da Europa.

Mas o que conhecemos sobre esse mar? Quantos portugueses sabem que Portugal detém uma riqueza e biodiversidade marinhas únicas a nível mundial? Que vai desde a maior população mundial de qualquer espécie de cavalos marinhos, que habita nos labirintos de sapais da Ria Formosa. Ou a foca mais rara do mundo, a foca-monge que habita nas águas cristalinas do arquipélago da Madeira? Ou que os Açores, as “Galápagos do Atlântico”, possem a única população da Europa do maior peixe dos oceanos, o tubarão baleia, e cerca de um terço de todas as espécies de baleias e golfinhos existentes, para além de tartarugas, mantas, jamantas e tanto mais.

E como sabemos pouco, preocupamo-nos pouco. Já dizia o ditado popular “Longe da vista, longe do coração”. Preocupa-nos a beata na praia que nos enoja mas não o excesso de pesca ou a poluição marinha, pois não os podemos ver ou sentir, não nos preocupa, não nos emociona. Precisamos de falar muito mais sobre o mar, desde a escola até à agenda política, apostar na economia azul mas também na literacia azul e que os Portugueses conheçam e se orgulhem de viver num país cujo mar é único… mas frágil.

“How inappropriate to call this planet Earth when it is quite clearly Ocean” A frase imortalizada pelo escritor-explorador britânico Arthur C. Clarke dificilmente fará mais sentido do que em terras lusas, uma nação onde o território marítimo é 40 vezes superior ao terrestre.

E afinal que importância damos nós, aos 97% de Portugal que é mar? A resposta é 3%. Confuso? É que o programa do último governo, apresentado ao longo de 194 páginas, dedicava sete páginas a temas relacionados com o mar, nada mais nada menos do que 3% das páginas do programa do governo eram dedicadas aos 97% do seu território que são mar.

Nuno Sá é fotógrafo e realizador subaquático. Reconhecido internacionalmente, já trabalhou para a BBC, National Geographic Channel, ORF, ART, ZDF, etc, É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.