O Acordo de Paris, sobre ambiente e alterações climáticas, constitui o passo mais recente e decisivo para a humanidade evitar o seu colapso nos tempos mais próximos.

O facto de o referido Acordo já ter sido ratificado pelo conjunto de Estados (incluindo as grandes potências e a União Europeia) necessários para a sua entrada em vigor em novembro deste ano é talvez o sinal mais significativo da sua real importância e manifesta urgência.

Mas, este Acordo é também a evidência da escassez de recursos do planeta. O homem com o seu engenho criador foi capaz de construir um contexto e uma tecnologia adequadas para otimizar os recursos ao seu dispor no planeta. Porém, tal aparente sucesso acarretou um enorme risco e um ainda maior desafio na atualidade, tendo em vista o rateio, o uso mais eficiente e eficaz, dos recursos por enquanto disponíveis.

Com efeito, nos últimos sessenta anos, a população global explodiu de cerca de 2.5 mil milhões, em 1950, para quase 7 mil milhões em 2011 e com os demógrafos a preverem que a população mundial atinja o patamar dos 9 mil milhões por volta de 2050 (embora, paradoxalmente, a Europa enfrente um enorme risco de decréscimo demográfico).

Mais importante do que o número de pessoas a alimentar, será porventura o facto de estas pessoas serem globalmente mais ricas, transformando o seu maior poder de compra, numa nova arma de pressão sobre os recursos, a fazer soar obrigatoriamente o alarme acerca da sustentabilidade da nossa “mãe terra”, como lhe chamou S. Francisco de Assis.

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Tal circunstância implica inevitavelmente uma nova corrida global aos recursos. Não se trata, seguramente, de uma corrida inédita, pois podemos encontrar paralelismo histórico em exemplos como a expansão do império romano durante o século I, as operações transcontinentais dos portugueses, holandeses e britânicos ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, bem como na proliferação das empresas multinacionais americanas no último terço do século XIX, já para não falarmos de Espanha e do seu ouro e prata das américas.

A colonização europeia em Africa, Asia e América, ou mais tarde a divisão artificial de todo o Médio Oriente, foram também exemplos da contínua luta pelos recursos por parte das potências de cada tempo. Em Portugal, aliás, ainda cantamos um hino “contra os ´bretões´ marchar, marchar…” em consequência do Ultimado inglês de 1890, que se seguiu ao famoso Mapa Cor-de-Rosa, traçado na Conferência de Berlim de 1884/5, no qual se dividiam os recursos em África entre o Império alemão e o Império britânico.

No fundo, e esse é o ponto, se analisarmos bem, ao longo dos últimos dois mil anos, grande parte das guerras mais letais da humanidade resultaram de conflitos relacionados com recursos, isto é, o homem acaba sempre por sofrer de uma espécie de “maldição dos recursos”.

Ora, é precisamente a propósito da nova corrida aos recursos em uso ou a disponibilizar no futuro mais próximo, bem como do eventual papel de Portugal nessa corrida que vou escrever algumas linhas. E no caso português tal papel é ainda mais importante, porquanto sempre se afirmou sermos um país de escassos recursos endógenos, sobretudo naturais, quer na área energética, quer mineral, agrícola, ou hoje, no respeitante a “terras raras” para uso nos novos materiais associados às tecnologias de informação ou às nascentes nanotecnologias.

Por isso, desde logo cumpre destacar a estranheza de, quando se discute um novo orçamento de estado, precedido das grandes opções do plano, nada aí ser dito de substancial e inovador sobre o ambiente, a sustentabilidade dos recursos endógenos, as novas energias ou, mais determinante ainda, sobre as nossas capacidades em matéria de recursos escassos no seio da nova corrida geopolítica pelos recursos globais. E é tanto mais surpreendente quando se constata em todos os azimutes do comentário nacional que é incontornável crescer economicamente e de forma sustentada atraindo investimento quer externamente quer estimulando a poupança interna para esse desiderato. Aliás, na ausência já testada de outras soluções, mais premente se torna possuir uma estratégia fundamentada para a exploração dos nossos recursos face a um mundo futuro de provável escassez. Mais urgente se torna começar a explorar os nossos solos, a nossa plataforma marítima e os seus fundos geológicos.

Ao não se dizer nada de relevante sobre estes temas, ao não se abrir um amplo debate sobre estes assuntos, estamos a colocar em causa a nossa única janela de oportunidade de obter o tão almejado crescimento que nos libertaria, a prazo, do fardo da dívida e do défice. Não será, certamente, um novo “el dourado”, mas se os estudos já efetuados evidenciam a existência de enormes recursos por explorar no nosso país e se os pequenos ou médios Estados da Europa, que deram o salto durante o século passado o fizeram por ter descoberto petróleo, gás ou outros recursos raros nos seu território, como por exemplo a Holanda, a Dinamarca, a Noruega ou o Reino Unido, porquê então a nossa incapacidade para fazer algo semelhante? Porque se estigmatizam, à partida, entre nós, os que defendem a viabilidade e premência de tal caminho, apoucando-se as suas ideias no nosso espaço público?

Acontece, todavia, que a nova corrida aos recursos assinala uma mudança de paradigma dos conflitos mundiais, onde a luta pela água potável, pela energia, pelas terras aráveis, pelo lítio ou pela grafite, se impõem direta ou subliminarmente à agenda global.

Como já referi atrás, o homem sempre lutou por território, pelos recursos necessários à sua subsistência e prosperidade, mas hoje, perante o exponencial crescimento demográfico do mundo emergente e a chegada à industrialização desse mesmo mundo, o acesso aos recursos e ao poder que lhe está inerente, volta a fazer sentir-se com acentuada acuidade.

Dambisa Moyo, na sua obra “Winner Take All”, traduzida entre nós com o sugestivo título de “A China e a Corrida aos Recursos” (2013), põe tal mudança de paradigma em destaque, ao mostrar o modo como os recursos do nosso planeta estão a esgotar-se. A autora acentua ainda que as conjeturas atuais sobre o fim dos recursos não renováveis, não corresponde a um qualquer estertor catastrófico ou a mais uma propensão milenarista, mas sim, muito simplesmente ao maior motivo para a intensificação dos conflitos à escala global, num horizonte relativamente chegado, em torno da nossa casa comum, a terra (a “casa do ser” como lhe chamava Heidegger).

E poderemos acrescentar ao que afirma Dambisa Moyo sobre o reposicionamento da China na cadeia de produção mundial, a nova postura da Rússia face ao Ocidente e ao Médio Oriente; o fim ou a reconversão económica das “petromonarquias” do Golfo, que passam de credoras a devedoras de fundos nos mercados internacionais da reciclagem do dólar (a Arábia Saudita acaba de fazer uma histórica emissão de títulos de dívida no valor de 16 mil milhões de euros); o fim do petróleo no Norte da Europa ou ainda o regresso dos USA ao isolacionismo energético. Na verdade, também nestes casos, estamos perante sinais evidentes de uma nova era na procura de recursos para alimentar e satisfazer os desejos do homo sapiens sapiens.

Assim, explorar em Portugal, economicamente e com sucesso, petróleo, gás, minerais ou “terras raras”, bem como peixe ou outros recursos marinhos em grande escala é, não só possível, como se deve tornar uma realidade. Não há sequer que ter receio de, com essa porta se fecharem outras, como o turismo, pois o saber e a experiência já conciliam muitas dessas alternativas em diferentes pontos do globo. Isto é, depois de muitos estudos e diagnósticos só falta mesmo fazer, pôr mãos à obra. Pode estar aí, em conjunto com a nossa localização central entre continentes e eixos marítimos, a porta para o nosso futuro.

Portugal não pode ficar refém do seu passado, refém dos velhos do Restelo que sistematicamente dizem que não temos recursos próprios, pois eles existem, só que não têm sido devidamente aproveitados. Se os Fenícios e os Romanos vinham aqui abastecer-se de matérias-primas, porque não podemos nós explorá-las hoje? A Noruega é um dos países mais ricos do mundo, não apenas porque se alfabetizou muito cedo ou porque a sua população é luterana, mas sobretudo porque soube tirar proveito de todas as dimensões do seu mar.

Professor universitário