Portugal sucede à Alemanha na presidência do Conselho da União Europeia a partir de janeiro de 2021, tendo pela frente vários desafios. No curto prazo, a pandemia, a crise económica e social e as migrações, mas também o novo quadro orçamental, o programa de recuperação económica e o relançamento das relações euro-americanas. E, ainda, as eleições na Alemanha, na Hungria e na Holanda, a ameaça da inflação e de um Brexit sem acordo.

A pouco menos de um mês desta realidade, assinalou-se o 20º aniversário da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A “Carta” que enuncia os valores da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade, bem como os princípios da democracia e do Estado de Direito. Valores e princípios que formam o património espiritual e moral da UE, um chão comum aos povos europeus, com o qual se pretende partilhar um futuro de paz e de prosperidade.

Num momento em que Varsóvia e Budapeste tentam inverter os pressupostos adquiridos nas democracias ocidentais, introduzindo legislação que deteriora o sistema judicial, promove ataques à liberdade de imprensa e à liberdade de informação, num claro ambiente hostil à sociedade civil dos seus próprios países; num tempo em que o Estado de Direito é objeto de discussão acesa em vários Estados-membros e em que o princípio estruturante da dignidade da pessoa humana não se constitui como um “sismógrafo” em toda a UE, a Europa demonstrou continuar empenhada na defesa intransigente dos princípios e dos valores do Estado de Direito.

Na última reunião do Conselho Europeu de 2020, a presidência alemã fez valer os verdadeiros alicerces do projeto político europeu, unido na sua pluralidade.

Mas o percurso institucional desde os primórdios das Comunidades Europeias até aos nossos dias, permite-nos percecionar um estado de crise permanente na Europa. Os processos decisórios são normalmente intrincados e as relações entre Estados-membros complexas. A recente perturbação provocada pela Polónia e pela Hungria, não aceitando que as ajudas financeiras aos 27 Estados-membros ficassem condicionadas ao Estado de Direito, é disso exemplo, mas serviu também para reforçar os valores defendidos pela UE.

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Angela Merkel conseguiu ultrapassar mais uma crise, através de um acordo entre os 27 Estados-membros. O Fundo de Recuperação e Resiliência e o orçamento comunitário será aplicado na reconstrução das economias, com particular destaque para o pacote de 1,8 mil milhões de euros que se destina a fazer face aos efeitos económicos e sociais da pandemia.

Ao longo destes 20 anos, assistimos a várias perturbações a nível mundial que não podem ser desligadas das tensões e dificuldades vivenciadas pelo projeto europeu. O Tratado de Nice (2000), para além de ter feito nascer a Carta como um documento político, não preparou a UE para o alargamento a Leste. Enquanto decorriam as negociações, dez ex-repúblicas da URSS preparavam-se para entrar numa Europa alinhada com a economia de mercado, democrática. Ao ratificarem a sua adesão, em 2004, os países candidatos aceitaram trabalhar em conjunto por objetivos comuns, não podendo a Polónia e a Hungria perpetuar os seus “becos nacionalistas”, exercendo um controlo totalitário dentro das suas fronteiras e impondo aos restantes Estados-membros lógicas intolerantes.

Ao Tratado de Nice seguiu-se um enorme impasse político, incertezas, dificuldades e contrariedades que a Europa conseguiu resolver através do Tratado de Lisboa, o tratado reformador que tornou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia vinculativa a todos os Estados-membros.

Em termos estruturais, a presidência portuguesa e a UE, tal como o resto do mundo, pretendem tirar partido do potencial industrial, da inovação e da partilha de conhecimento, o que vai exigir o reforço da tutela internacional da propriedade industrial através da patente europeia unitária, ratificada por Portugal em 2015, mas, entretanto, fracassada. A transição climática, a plataforma marítima, o pacto ecológico europeu e a economia verde vão permitir o desenvolvimento do projeto europeu, adequando-o à realidade e aos anseios dos Estados-membros.

Estamos certos que Portugal estará à altura da nobre missão de presidir aos destinos da União!