Em novembro de 2018, Portugal e Angola assinaram um acordo de cooperação no domínio da investigação à criminalidade grave e organizada em matéria de corrupção, tráfico internacional de drogas, branqueamento de capitais, terrorismo e o seu financiamento, acordo esse que passou a vigorar após a sua promulgação em março de 2019.

Tendo por base esse acordo de cooperação, fez todo o sentido a presença em Lisboa, na semana passada, do procurador-geral da República de Angola, Hélder Pitta Grós, para reuniões com a sua homóloga portuguesa, a fim de ambos prepararem uma estratégia comum de investigação criminal em que trabalharão em conjunto. No caso daquele país africano, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) e, no nosso caso, a Polícia Judiciária. Tal estratégia envolverá troca de informações de âmbito operacional, identificação de suspeitos, constituição de arguidos, revistas, buscas, apreensão de correspondência ou interceção de comunicações.

A cooperação na investigação é essencial para, durante a fase do inquérito-penal se venha a concluir que houve ou não empresas e cidadãos portugueses ou cidadãos angolanos residentes em Portugal envolvidos. Depois, com a elaboração da acusação pelo Ministério Público angolano, serão elencados os factos, os ilícitos criminais e os suspeitos da prática de tais ilícitos. Só nessa altura saberemos então se estaremos perante crimes organizados que constituam uma ameaça para a tutela pública, ou seja, crimes que prejudiquem, destruam, alterem ou subvertam o funcionamento de qualquer instituição ou organização do Estado, abrindo-se a janela para a inserção do crime de terrorismo ou de financiamento a atividades terroristas, previsto na Lei angolana n.º 11 de 12 de Dezembro de 2011, Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo.

Será que uma das maiores preocupações dos suspeitos portugueses envolvidos no processo «Luanda Leaks» é a de poderem vir a ser julgados em Luanda como pretendem as autoridades judiciárias de Angola? Para a extradição de portugueses, temos de balizar-nos na nossa Constituição que preconiza que a extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo. Portanto, a extradição de nacionais portugueses só será permitida se houver reciprocidade estabelecida em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e deve assegurar garantias de um processo justo e equitativo.

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O nosso ordenamento jurídico não inviabiliza a extradição nem a cooperação judiciária internacional em matéria penal, uma vez que Portugal aderiu, no âmbito do direito internacional, a tratados bilaterais e convenções de âmbito multilateral, designadamente, no âmbito multilateral, às convenções europeias que regem a criação de um Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, a Convenção Europeia de Extradição de 1957 e os seus dois Protocolos Adicionais, o de 1975 e o de 1978; a Convenção Relativa ao Processo Simplificado de Extradição entre os Estados-membros da União Europeia, de 10 de Março de 1995; e, por fim, a Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à Extradição entre os Estados-membros da União Europeia. Refiro-me, em concreto, à Lei n.º 65/2003 de 23 de Agosto, que aprova o regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu, sem, evidentemente, esquecer a Convenção de Extradição entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de 23 de Novembro de 2005.

O nosso país, com base na reciprocidade estabelecida em convenções internacionais e nas regras da cooperação internacional em matéria penal, pode extraditar os seus nacionais, entendimento que se estende à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o qual tem defendido «a possibilidade de extradição de seus nacionais, por meio da cooperação internacional em matéria penal».

A Convenção de Extradição, no âmbito da CPLP, veda a extradição entre os Estados-membros, por exemplo, quando se trata de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte dano irreversível da integridade física, ou quando se trata de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva, necessariamente, ser qualificado como tal. Prevê, ainda, a não extradição quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objeto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição.

Porém, já não veda a extradição, respeitando o princípio da dupla incriminação, nos casos de terrorismo. Assim, existe toda a probabilidade de um procedimento criminal por atos de terrorismo, face ao que se conhece da atuação de prejudicar, destruir, alterar o regular funcionamento da economia angolana, arruinar a sua capacidade interna de extração de recursos minerais e de petróleos, aumentando desse modo a dependência das importações, o empobrecimento do país e o aumento da sua dívida externa. Refiro-me, já se vê, a atos contra a estrutura do Estado, a atos de terrorismo.

Neste contexto, os países da CPLP acordaram entre si a obrigação de extraditar, reciprocamente. Quando a extradição é concedida, os Estados contratantes acordam a data e o lugar da entrega, podendo, no caso vertente Angola, enviar agentes devidamente autorizados que auxiliarão no reconhecimento dos extraditandos e na condução destes até a um presídio angolano. Os bens que se encontrem em Portugal e que sejam produto de crime, ou que possam servir de prova, serão depois entregues ao Estado requerente. Aberta está a janela da extradição.