Ao longo dos últimos anos, temos assistido a um retorno significativo à defesa do capitalismo de mercado livre. Um exemplo claro disso foi o discurso enérgico do Presidente da Argentina no Fórum Económico Mundial de Davos, que destacou uma tendência global de regresso à liberalização económica. Este tipo de retórica, combinado com avanços tecnológicos, aponta para uma possível mudança nos climas de investimento, favorecendo o crescimento liderado por tecnologia e inovação.
Mas o que é que isso significa para nós, em Portugal e na Europa? Quais são as perspectivas para a economia mundial ainda altamente integrada?
Efetivamente, as oportunidades económicas estão sempre a evoluir: seja pela variação dos custos de transporte e comunicação, pelas mudanças na vantagem comparativa ou ainda pela influência de novas oportunidades para explorar economias de escala e aprendizagem prática. Para além disso, os ideais económicos e as realidades geopolíticas também desempenham um papel crucial, especialmente a curto e médio prazo. Outros factores que impactam os investimentos e políticas económicas são, naturalmente, as guerras, as crises financeiras e as pandemias, que mudam a percepção dos riscos, custos e benefícios da integração transfronteiriça.
De Hiperglobalização a Slowbalização
Historicamente, a integração transfronteiriça, especialmente no comércio, mostra a interação entre essas forças. Entre 1840 e 2022, a proporção do comércio mundial de bens em relação à produção global aumentou aproximadamente quatro vezes. Contudo, essa abertura ao comércio flutuou dramaticamente. Por exemplo, este rácio triplicou entre 1840 e 1913, caiu em dois terços entre 1913 e 1945, e triplicou novamente entre 1945 e 1990, superando os níveis pré-1914.
Após o colapso da União Soviética no início dos anos 90, a economia mundial passou por duas eras. A primeira, até cerca de 2010, foi a “hiperglobalização”. Caracterizou-se pelo rápido crescimento das transações internacionais em relação à produção global, com fluxos de capital direto e de portfólio cruzando fronteiras a um ritmo ainda mais rápido que o comércio de bens e serviços. Até a crise financeira de 2007-09, a economia mundial estava mais integrada do que nunca.
Contudo, a partir de 2010, entrámos numa era que alguns chamam de “slowbalização”. Neste período, o comércio cresceu mais ou menos em linha com a produção mundial, enquanto as proporções de investimento transfronteiriço em relação à produção mundial diminuíram para metade.
O que causou essa mudança? Primeiramente, as oportunidades de aumentar o comércio ao explorar diferenças nos custos de mão-de-obra diminuíram à medida que esses custos convergiram. Com o crescimento da economia da China, a sua dependência do comércio diminuiu. Choques como a pandemia da COVID-19 e os recentes conflitos, como Israel-Palestina e a guerra na Ucrânia, também sublinharam os riscos associados à grande dependência do comércio para suprimentos essenciais. Mudanças ideológicas, como o aumento do protecionismo e do nacionalismo, também desempenharam um papel significativo. Nos Estados Unidos, isso foi desencadeado pela ascensão económica da China e o impacto no emprego industrial. Mudanças semelhantes ocorreram na China sob Xi Jinping, onde a política se afastou do mercado livre e dos negócios privados em direção a um maior controle governamental.
O Papel da Tecnologia em Portugal e na Europa
Para nós, em Portugal e na Europa, essas tendências globais são cruciais. A necessidade de investir em tecnologia e inovação nunca foi tão clara. A infraestrutura europeia de software e hardware foi negligenciada durante décadas, resultando em problemas sérios de dependência de gigantes tecnológicos estrangeiros para infraestruturas críticas e a falta de investimento e resiliência em cibersegurança, especialmente na era pós-quantum e no contexto da Inteligência Artificial.
A infraestrutura tecnológica soberana europeia deveria ganhar expressão drasticamente. Acredito que apostar na tecnologia não é apenas uma oportunidade de crescimento, mas uma necessidade estratégica para a soberania e segurança europeias. A independência tecnológica permitirá a Portugal e à Europa enfrentar os desafios futuros com mais resiliência e aproveitar as oportunidades que a integração económica global ainda oferece.
Precisamos de refletir sobre como podemos navegar estas mudanças e vir a prosperar num mundo cada vez mais interligado. A aposta na tecnologia e na inovação pode ser o caminho para manter nossa relevância e crescimento num cenário global de constante evolução.
O Observador associa-se ao Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.