Não somos um país dado a sobressaltos cívicos. Nem é natural que isso aconteça com os últimos dados do censo do INEque mostram que na última década perdemos dois por cento da população. Porém, deveríamos ter esse sobressalto. Os mais céticos questionarão, mas afinal o que são dois por cento, quase nada não é? Não, é muito. As atuais projeções da Comissão Europeia para 2070, que considero otimistas, é que sejamos apenas 8,5 milhões de almas e que nessa data as pessoas com mais de 80 anos sejam 30% da população em idade de trabalhar! Junte-se a este inverno demográfico, que se começará a sentir já daqui a 20 anos, uma economia que cresce de forma anémica e teremos a tempestade perfeita se nada for feito até lá. O efeito conjugado de uma população trabalhadora que diminui com uma população idosa que aumenta substancialmente, numa economia que pouco cresce, só pode ser um aumento da pobreza e uma redução dos níveis de vida dos idosos a par de um aumento da carga tributária dos que estão no ativo.
Que soluções temos para este problema estrutural da sociedade portuguesa? Uma via possível seria uma solução espontânea de mercado. Essa potencial solução só poderia passar por compensar os saldos naturais negativos (nascimentos menos óbitos) por uma imigração pujante, que simultaneamente cobrisse as carências de mão de obra em determinados setores e gerasse as contribuições fiscais e contributivas para assegurar a sustentabilidade da segurança social a níveis adequados de prestações sociais. O mercado não tem sido a solução. Não só a imigração não tem sido suficiente para cobrir o saldo natural negativo, como os imigrantes são sobretudo pouco qualificados e de baixos rendimentos não contribuindo para o objetivo de sustentabilidade desejada. A solução de mercado, a existir, só poderia passar por acelerar o crescimento baseado em empregos mais qualificados.
A solução alternativa ao mercado seria a solução política democrática. Implementar políticas estáveis com foco na natalidade desejada, na imigração qualificada e no crescimento sustentável. Acontece que a democracia, baseando-se na competição política eleitoral de quatro em quatro anos, não está especialmente vocacionada para lidar com certo tipo de problemas, nomeadamente aqueles onde há custos no curto prazo em contrapartida de benefícios no longo prazo. Na realidade a estrutura de incentivos dos políticos favorece claramente as medidas que têm impacto e são visíveis no imediato em detrimento das que geram benefícios futuros.
Se a solução de mercado não emerge e a solução política democrática também não estamos condenados a definhar enquanto país? Talvez sim, talvez não. Depende da pressão que a sociedade civil e os media consigam fazer junto do poder político para tornar saliente este problema da sociedade portuguesa. Há questões que têm de ser colocadas insistente e permanentemente a cada partido político. Que soluções apresenta para este problema? Como tenciona contribuir para combatê-lo? Que compromissos e acordos pretende fazer com outros partidos para que a natural alternância democrática não leve a interromper políticas que têm de durar décadas para ser eficazes? Ser persistente nestas questões faz tornar saliente um problema estrutural da sociedade portuguesa e simultaneamente aumentar o custo político de não o resolver. Desta forma altera-se a estrutura de incentivos dos políticos no sentido de se alinharem com a resolução dos problemas de longo prazo. Estarão a sociedade civil e os media à altura deste papel? Não sei…
O inverno demográfico é como o colesterol. Não se dá por ele, nem pelos seus efeitos imediatos, mas no longo prazo mata. Se não queremos sucumbir e definhar enquanto país é preciso agir desde já, assegurando a perenidade das políticas públicas.