É preciso que a esquerda tome atenção ao que está a fazer. Refiro-me ao preconceito, cada vez mais assanhado, contra Israel e à parcialidade sistemática a favor dos seus inimigos, mesmo quando são terroristas e especialmente selvagens e cruéis. Por mais contida que, às vezes, tente parecer, não consegue: lá sai a metralha dos conceitos diabólicos. Há uma semana, António Filipe, dirigente e deputado histórico do PCP, em artigo no EXPRESSO (edição electrónica), qualificava de “Estado pária” Israel, a única democracia naquela vasta região.
Muitos talvez ainda não sejam antissemitas. Mas o que fazem é a sementeira desalmada do antissemitismo. Impressiona muito, nas manifestações contra Israel, nas ruas da Europa, da América, da Turquia, da Austrália, e outras, ver em demasiados jovens a mistura leviana da mais absoluta ignorância com o mais absoluto extremismo. São os trinetos de Hitler. Podiam todos (eles e elas) usar o bigodinho. Realmente, um vómito. As gerações futuras não poderão ser assim. Importa agir. Se o forem, a humanidade estará a caminho de um futuro desgraçado, de regresso às piores trevas do passado.
É conhecida a ideia de o nazismo ser de esquerda: nacional-socialismo, um socialismo nacionalista. É mais uma provocação do que uma ideia. Mas o que vemos, hoje, vai nesses trilhos e sempre a piorar: as pancartas, os tiques, o ódio, o prazer do ódio. As posições que transmitem, vindas da esquerda radical e da extremista, são inspiradas naquele conhecido lastro cultural marxista contra o capitalismo que manda berrar contra os ricos e contra os americanos. Israel é olhado como posição americana no Médio Oriente e rico. Os palestinianos são vistos como pobres. Isto dita o essencial do berreiro todo. Não se vê a mesma intensidade sofredora ao lado dos ucranianos, do Nagorno-Karabakh, do Darfur, do Tibete, dos uigures, dos cristãos da Síria e do Iraque, dos curdos, das mulheres afegãs ou de grandes perseguidos individuais como Alexei Navalny ou Sviatlana Tsikhanouskaya.
A conotação americana de Israel é historicamente enganadora. É verdade que os Estados Unidos da América têm sido um fiel aliado de Israel. Assim devem manter-se. Fazem-no, estou certo, por imperativo de consciência: solidariedade com o povo judeu e seu jovem país democrático, atacado por vizinhos que querem fazê-lo desaparecer. Quem discorda? Quem pode discordar? A esquerda europeia e mundial deve envergonhar-se de não estar ao lado dos cidadãos e das nações que apoiam o direito de Israel ser. Na linguagem que gosta de usar, a esquerda está do lado errado da História.
Mas quem foi o primeiro país a reconhecer de iure a formação e independência de Israel, em 17 de Maio de 1948? Não foram os EUA, foi a União Soviética. No dia seguinte, a URSS seria acompanhada por outros três Estados da “Europa socialista” (Checoslováquia, Jugoslávia e Polónia). António Filipe, dirigente do PCP, o partido que, entre nós, representa a continuidade da política externa soviética e da sua visão do mundo, orgulha-se por certo daquele acto fundador da União Soviética. O insulto de “Estado pária” foi um deslize.
Já a equação “pobres e ricos” é sempre mais complexa. A realidade em que vivem os palestinianos é certamente deplorável. Merece diagnóstico certo e reparação. Quando esta guerra acabar, é preciso que o mundo se aplique – Israel e a Autoridade Palestiniana também – no estabelecimento de uma solução definitiva que viabilize os dois Estados e a vizinhança de ambos em paz. Mesmo que, para a solução, possa ter de pedir-se parcelas de território à Jordânia e ao Egipto. Um dos problemas do mapa é ser uma geografia que, objectivamente, convida à guerra. Quando esta guerra acabar, o mais importante é que acabe de vez.
Na partição da Palestina, as terras atribuídas a árabes não eram fundamentalmente diferentes das atribuídas a judeus. Por isso, voltando à questão “pobres e ricos”, há uma constatação que ressalta: enquanto os judeus se aplicaram a construir um Estado, uma sociedade, uma economia, com progresso e prosperidade, os árabes aplicaram-se em fazer a guerra aos vizinhos e procurar aniquilá-los. Este tem sido o erro árabe sistemático: a guerra como desígnio, a guerra como política. Tem sido assim nos últimos 75 anos, desde 1948. Tem sido assim nos últimos 56 anos, desde 1967. A guerra, sempre a guerra.
A causa da pobreza, do sofrimento do povo palestiniano é esta: a guerra nunca fez a riqueza de ninguém. Os culpados desta miséria têm sido os seus líderes – muitos corruptos, alguns terroristas, quase todos cegos –, que afundam a Palestina, terra prometida, em terra de combate e destruição. Sempre com o aplauso e o acicate da esquerda mundial. É célebre a frase de Golda Meir: “Nós somente teremos paz com os árabes, quando eles amarem seus filhos mais do que nos odeiam.”
Recapitulemos o essencial. Depois do Império Otomano (por que os turcos ali reinaram sobre árabes, judeus e outros por mais de 400 anos, de 1516 a 1918), esses vastos territórios foram divididos, entre os anos 20 e 40 do século XX, dando origem a Iraque, Síria, Líbano, Jordânia e à partição da chamada Palestina num Estado judaico e num Estado árabe. A partição foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947. Israel nasceu em 1948.
A guerra nem esperou um dia. Os árabes logo lançaram a guerra para aniquilarem Israel antes mesmo de nascer. Foi a guerra civil, ainda sob mandato britânico em 1947, seguida pela Guerra da Independência 1948/49: todos (Egipto, Arábia Saudita, Iémen, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria) mobilizaram os exércitos para esmagar Israel – foi isto que provocou a Nakba. Perderam. A seguir, o lado árabe fez ainda mais 11 guerras contra Israel, em: 1967, 1968/70, 1973, 1982, 1987/93, 1996, 2000/04, 2008/09, 2012, 2014, 2023. Só em Gaza, já vamos na 4.ª Guerra, todas as quatro lançadas pelo Hamas.
Uma terra cujos chefes gostam tanto da guerra e para ela vivem só pode ser pobre. Essa terra faz-se de ruínas, de falta de destino, de refugiados e deslocados. Os palestinianos de Gaza devem a sua miséria e destruição ao Hamas, que aí exerce o poder absoluto. Uma grande desgraça, alimentada por poderes como o Irão, pelo fundamentalismo islâmico e pela esquerda mundial. O povo palestiniano, constantemente enganado e encurralado, é o mexilhão desta longa tragédia, a carne para canhão do esquerdismo internacional.
Está certo que se vigie pelo direito internacional humanitário na resposta militar de Israel. Mas quem vigia pelo direito internacional humanitário nos abomináveis ataques terroristas do Hamas em 7 de Outubro? E pelo direito internacional humanitário quanto aos 230 reféns raptados pelo Hamas? Quem os visita? Como estão? A que tratos têm sido sujeitos?
Alguém vigia pelo direito internacional humanitário no aparelho bélico do Hamas na faixa de Gaza e nas suas tácticas de defesa? Toda a gente sabe que, ao longo dos anos, o Hamas montou a infraestrutura militar de Gaza entretecida com as infraestruturas civis. Quem exige ou o abandono e encerramento dessas instalações militares ou a saída da população desses edifícios civis, para minorar os perigos? Há observadores internacionais para fazê-lo? As forças armadas de Israel fazem apelos contínuos aos civis palestinianos para se afastarem, ao mesmo tempo que pré-anunciam os seus ataques. Que outras vozes internacionais se ouvem no mesmo propósito humanitário? Quem condena o Hamas por contrariar esses apelos?
E o que faz a esquerda mundial? Impante, reitora do mundo, actua por forma a manter os civis palestinianos como escudo civil do Hamas. Empurra-os para o colo dos estrategas do seu sacrifício. Fingindo dor, geme “o massacre de um povo perante a complacência da comunidade internacional.” Bem pode pintar a cara de preto e chorar lágrimas de crocodilo por cada palestiniano civil que tomba. É a carne para canhão de uma ideologia sem humanidade, nem coração.
Tem-se falado muito sobre os 75 anos passados desde 1948. Como foi? Como tem sido? A verdade é que, nestes 75 anos, o lado árabe nunca investiu seriamente na paz. Se os palestinianos tivessem entre os seus dirigentes alguém da dimensão e inspiração de Mahatma Gandhi, há muito que o problema estaria resolvido. Os dois povos viveriam e trabalhariam lado a lado e fariam comércio livre um com o outro. Numa palavra, prosperariam.
A verdade é que Israel nunca partiu para a guerra contra os árabes. Nunca teve a iniciativa de os combater. Se o lado árabe parasse de fazer guerra para aniquilar Israel e também impedisse e combatesse o terrorismo, todos ali viveriam em paz, todos poderiam ser ricos. O mundo tem de ser responsável, não pode continuar a repetir os erros do passado. O mundo tem de ser sério, não pode continuar a alimentar a política dos que sempre querem a guerra.
Dar uma oportunidade à Paz é o que falta entre Israel e a Palestina.