É difícil, senão impossível, não sentir dor e mágoa diante das imagens de civis atingidos pelos combates na faixa de Gaza. Percebe-se que o Hamas empola os números, como fez na farsa do Hospital Al-Ahli Arab. Mas a realidade fere, sobretudo quando são crianças as atingidas. É como noutros conflitos que nos têm entrado na televisão: os bombardeamentos na Ucrânia, o Sudão, a Síria, o Iraque. Em Gaza, é errado buscar a responsabilidade apenas em Israel. O que ali acontece é consequência de um ataque terrorista do Hamas, massivo, de violência e atrocidade extremas, que assassinou mais de 1.400 vítimas judaicas, a larguíssima maioria civis (incluindo, mulheres, crianças e bebés, mortos com especial barbaridade), e capturou 240 reféns que arrastou para cativeiros em Gaza.

Há um “antes” e um “depois” de 7 de Outubro. Qualquer um que compare imagens e notícias antes e depois de 7 de Outubro, em Gaza e sua vizinhança, conclui: o Hamas carrega a responsabilidade e a culpa das mortes que ali acontecem, quer das que directamente executou e executa, quer das que indirectamente provoca. Antes do 7 de Outubro, vivia-se ali fundamentalmente em tranquilidade e em paz; hoje, é este inferno. É ao Hamas e seus dirigentes que temos de pedir contas. E importa pedir-lhes contas até ao fim.

Infelizmente, nota-se muita tibieza na comunidade internacional. E essa tibieza resulta em complacência com o terrorismo. É intolerável que a condenação veemente dos mais de mil assassinatos bárbaros no Sul de Israel não esteja a ser feita, soterrando-os como estatística despersonalizada e apagando-os da memória. E é inaceitável a arrastada transigência do mundo, a começar pela União Europeia, com a detenção pelos terroristas do Hamas de mais de 200 reféns, capturados há quase um mês. Reféns? No século XXI? Como é possível?

A Faixa de Gaza tem área equivalente à Figueira da Foz ou a Aljezur, a metade da Ilha da Madeira ou à de São Miguel, também a metade de Singapura ou ao dobro do território de Macau. É num território dessa dimensão que se travam as batalhas terríveis destes dias, com consequências tão incertas. Podia ser como cada uma daquelas terras. Tudo depende de escolhas, dentro das condições.

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A propaganda vai cheia de menções à Faixa de Gaza como “prisão a céu aberto”. E alguns vão ao ponto de a compararem ao Gueto de Varsóvia, uma das mais terríveis experiências do martírio dos judeus nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial. São paralelos que estão a tornar-se moda. Comparações típicas da leviandade da comunicação contemporânea, muito permeável ao império da propaganda. A leviandade e a superficialidade são favorecidas quando falta o juízo crítico e há pouco conhecimento quer dos factos, quer da história.

A última, então, é uma comparação insultuosa, uma absoluta mascarada histórica, feita com má-fé intencional para ferir Israel e o espírito judaico. Diversamente dos palestinianos quanto à faixa de Gaza, os judeus não quiseram ir para o Gueto de Varsóvia; foram aí encurralados à força, contra a sua vontade. O gueto não era sua terra nacional longamente reclamada, mas espaço de estacionamento antes de serem levados para campos de extermínio onde foram gazeados aos milhares, normalmente em Treblinka. E o gueto também não era uma base de ataques contra os nazis alemães. A heroica revolta do Gueto de Varsóvia, em 1943, não tem nada, mesmo nada, a ver com a guerra na faixa de Gaza. É velhaco confundir. Os judeus, cruelmente perseguidos pelos nazis, nunca praticaram os vis e abomináveis actos terroristas do Hamas sobre civis inocentes, massacrados, cara a cara, por modos desumanos, cruéis e sanguinários. Quem confunde deve desculpas aos judeus de todo o mundo.

Voltando ao estribilho de a faixa de Gaza ser uma “prisão a céu aberto”, vale a pena ler o artigo de Ari Zivotofsky, professor de neurociências e rabino, publicado há dias no Jerusalem Post: Is Gaza actually an open-air prison? (“Será que Gaza é mesmo uma prisão ao ar livre?”) É um artigo informado, objectivo, que nos ajuda a despir a propaganda. Além de ler este artigo, podemos todos recordar o essencial.

Israel entregou Gaza aos palestinianos em 2005 e retirou, à força, todos os colonatos israelitas. Muitas das infraestruturas produtivas que estes deixaram foram arrasadas, depois de entregues. Porquê? Para quê?

O Hamas ganha as eleições no território palestiniano, em 2006. Nunca mais houve eleições. Em 2007, travam-se em Gaza combates sangrentos entre a Fatah e o Hamas. Este apodera-se do poder em Gaza e, progressivamente, transformou-a no que é hoje. Podia ter sido uma coisa, foi tornada noutra.

Por decisão política do Hamas, a faixa de Gaza é uma base militar e plataforma terrorista para atacar Israel. Consequentemente, também foi transformada em campo de batalha. Não houve ano em que não disparasse sobre Israel ou não fizesse infiltrações violentas. Por que construiu Israel o muro? Para se defender, é óbvio. O 7 de Outubro mostrou que nem o muro foi suficiente.

Esta extensa e complexa base militar “a céu aberto”, mas também com longos subterrâneos, tem uma particularidade única no mundo: vive aí a população civil. Contra todos os princípios da organização militar e as normas do direito internacional humanitário, o Hamas misturou os caminhos e os espaços civis e militares. Ou seja, montou no território uma gigantesca armadilha, onde crê poder esconder-se. A vida dos palestinianos interessa-lhe pouco. Infelizmente, de Josep Borrell a Recep Erdoğan, interessa também quase nada ao mundo que faz o jogo do Hamas.

Que líderes são estes que sacrificam a população civil? Nas guerras, é normal haver abrigos para proteger a população. O Hamas encheu Gaza de uma rede de túneis e de caves para se esconder e operar a manobra militar, enquanto deixa a população civil exposta, à superfície, a sofrer as consequências. Muitas das caves e esconderijos para uso militar são junto a hospitais, creches e infantários para aumentar o dano civil e condicionar quem ataca. Com a infraestrutura militar entretecida com a infraestrutura civil como é possível exercer a legítima defesa sem atingir inocentes? É um governo ignóbil. Faz de escudo e refém o povo que governa. Todo o mundo o sabe. Mas a esquerda mundial aplaude, dando cobertura ao sacrifício dos civis pelas tácticas perversas do Hamas.

O Hamas tem chefes tão velhacos que, para escapar ao horror inenarrável do 7 de Outubro, quiseram apontar a culpa aos civis palestinianos. O Jerusalem Post cita Saleh al-Arouri, um dos líderes do Hamas, a acusar: “a população civil de Gaza entrou pelo sul de Israel, chegando ao confronto com residentes israelitas. Aí, caíram os civis.” O cúmulo da velhacaria. O jornal lembra, porém, as imagens das Brigadas al-Qassam e doutros grupos terroristas da Faixa de Gaza a fazerem os massacres e os raptos em massa no Sul de Israel. E circula também nas redes sociais um trecho da entrevista do porta-voz do Hamas à BBC, em que, tentando passar a mesma farsa, não resiste às perguntas do jornalista Hugo Bachega, acabando por abandonar a entrevista.

Temos de ser sérios na dureza desta situação dramática. Nenhum país faria diferente de Israel para capturar os terroristas que assassinaram cruelmente 1.400 cidadãos num dia. Alguém exige que os terroristas se entreguem ou sejam entregues à justiça internacional? Nenhum país faria diferente de Israel para resgatar os 240 reféns. Alguém exige que os reféns sejam libertados de imediato, amanhã, já? Não, o mundo anda com o Hamas terrorista ao colo, como se não houvesse assassinados, nem reféns cativos. Trata os terroristas como se fossem estadistas. Israel, por isso, tem de avançar.

Nenhum país faria diferente de Israel, defronte de um território base militar, de onde são enviados rockets e lançados ataques. A Turquia faria o mesmo, se os curdos, com apoio de outros Estados, a fustigassem a partir de alguma parte do Curdistão. Erdoğan entende-o certamente. A base militar agressora teria de ser tomada e dominada. Esse é o direito de legítima defesa.
O que é lamentável é que o mundo não faça coro com os responsáveis israelitas, apelando continuamente aos civis em Gaza (para que enviam assistência humanitária) para se afastarem das zonas de perigo e buscarem refúgio em zonas mais seguras, enquanto decorrem as operações militares. Isso é que seria humanitário.

Em 2005, os palestinianos podiam ter encaminhado Gaza para ser um outro Dubai no Mediterrâneo Oriental. A cidade do Dubai, por sinal, tem um décimo da área da faixa de Gaza. Quando digo isto, é frequente dizerem-me que “os judeus é que são ricos”. Mas, além de esta objecção ecoar os preconceitos habituais do antissemitismo, esquece que há inúmeros árabes ricos e muito ricos, como vemos nas poderosas economias construídas no Golfo Pérsico. Estou certo de que apoiariam e ajudariam, se a política em Gaza fosse de paz e progresso.

Infelizmente, os palestinianos e o Hamas escolheram o caminho da fricção e da guerra. O resultado está à vista. Gaza está pobre e escavacada. Na sua história antiga, Gaza teve momentos de grande prosperidade, às vezes por períodos longos. Deixou de ser assim, quando a guerra chegou ou a escolheram. Não tem grande novidade.

O futuro em Gaza e na Palestina só será melhor se a escolha for oposta à que tem sido. E há outra coisa que é absolutamente certa: para se ter paz não chega escolhê-la, mas ninguém a tem se a não escolher. Comecemos por aí.