Acredito que pequenas mudanças nas rotinas do tecido empresarial português seriam importantes para aumentar a produtividade (e, por inerência, os salários e os lucros), mas sejamos sinceros e deixemo-nos de visões utópicas quanto à mudança de mentalidades e comportamentos. Alguém acredita que, tendo em vista melhorar níveis de produtividade, o trabalhador (português), por livre iniciativa, diminuísse o tempo e frequência da pausa do café e/ou para fumar? Ou que, durante o período normal de trabalho, passasse a resistir às interrupções a que as redes sociais “obrigam” com as constantes notificações?

Como pertenço aos que considera difícil operar uma mudança de mentalidades e comportamentos, resta-me concluir que, em Portugal, o incentivo ou é monetário ou é ao nível do “salário emocional”.

Não restam dúvidas de que um aumento retributivo (por exemplo, incrementos salariais em função da produtividade) funcionaria como um incentivo decisivo para um trabalhador produzir mais. Contudo, e de forma pragmática, parece-me que um país cuja atividade económica foi fortemente condicionada pela pandemia não apresenta capacidade para ir pelo lado monetário. O que significa que, assim sendo, fica a faltar o incentivo pela via do “salário emocional”. Este tipo de salário (que não consta do recibo de vencimento) pode ter as mais diversas configurações e é, no fundo, um conjunto de medidas/facilidades (entre outras, a flexibilidade laboral) que as empresas disponibilizam aos trabalhadores sem que isso signifique um tradicional aumento salarial.

E é precisamente nesta sequência que importa perceber se seria possível, sem perda de retribuição, organizarmos a nossa semana em quatro dias de trabalho e três dias de descanso (ou, até, em alternativa, na simples redução da jornada diária de trabalho para 6 ou7 horas, outro modelo a ser testado)?

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Na realidade, o conceito não é novo, mas a pandemia veio dar-lhe um novo fôlego. Islândia, Espanha, Alemanha, Japão e Nova Zelândia já testam a possibilidade de reduzir a semana de trabalho para quatro dias. Enquanto a Escócia e a Bélgica, fruto dos resultados positivos, decidiram recentemente seguir o exemplo. Em Portugal, algumas empresas também já dão passos tímidos na mesma direção. Dito isto, importa realmente focar o âmago da questão. Por isso, vejamos.

No que diz respeito ao enquadramento jurídico laboral, a semana de trabalho de quatro dias já é possível em Portugal, quer mantendo-se a carga horária atual (40 horas) e concentrando-a em menos dias, quer reduzindo-se a carga horária (por exemplo, para 32/35 horas), a par da diminuição dos dias de trabalho efetivamente prestado.

O que me leva a concluir que, na verdade, mais do que legal, o problema é de ordem cultural: por mais diplomas legais que se aprovem sobre a matéria, não será fácil inverter comportamentos e alterar mentalidades que valorizam mais os que têm os casacos pendurados mais horas (cultura ainda muito assente no presentismo laboral), do que aqueles que criam, de facto, mais valor.

Em Portugal continua a ser prática comum as 10 (ou mais) horas diárias de trabalho (ou no local de trabalho), 5 dias por semana. Continua a existir um preconceito sobre aqueles que conseguem fazer as suas tarefas e sair a horas (depois de 7 ou 8 horas de trabalho). Continua, portanto, a confundir-se quantidade com qualidade.

A questão de ordem cultural é, por isso, a par da baixa produtividade (tema seguinte), a raiz das dificuldades práticas de implementação de modelos de flexibilidade laboral. E enquanto for assim fica mais complicado pensar em semanas com quatro dias de trabalho (ou, até, na simples redução da jornada de trabalho).

Bom, falemos agora do “elefante na sala”. Já há muito tempo que múltiplos diagnósticos de uma miríade de organizações e consultores identificaram o principal problema do nosso país: a produtividade (o nosso “elefante”). Os dados da OCDE mostram que o país está entre os que têm uma média de horas trabalhadas por ano mais elevada, mas fica no fundo da tabela no que toca ao valor do produto interno bruto (PIB) por hora trabalhada.

Verifiquemos os números, porque, esses, não mentem!

Por cada hora que trabalhamos em Portugal produzimos, em média, cerca de trinta euros. No Luxemburgo, por cada hora que se trabalha — e trabalha-se bem menos horas do que por cá — produz-se mais de oitenta euros (logo, mais do dobro!). E se dúvidas ainda restam, a diferença de produtividade entre os mais e os menos “trabalhadores” é tão notória que um trabalhador luxemburguês que pare de trabalhar à quarta-feira à hora de almoço já produziu mais que um trabalhador português que cumpre uma semana inteira de trabalho.

É fácil retirar conclusões. Somos menos produtivos que a maior parte dos países da UE. Sim, somos, é mesmo no plural. Não vale a pena sacudir a água do capote! Somos um país que, em termos globais, não consegue ser mais produtivo, por mais horas de trabalho efetuadas. É certo que podemos criar teorias para explicar e justificar estes números, mas, ainda assim, a realidade é como o algodão, não engana!

O facto de trabalhar menos horas permitir, em tese, aumentar a produtividade é, para mim, a pedra de toque. É uma relação direta e que não levanta dúvidas aos especialistas. Nessa sequência, só posso acreditar que testar a redução dos horários de trabalho, seja através da semana de quatro dias ou da diminuição de horas de trabalho diárias, poderia, de facto, mostrar-se um remédio eficaz para a produtividade.

Contudo, embora reconheça as vantagens de tais medidas de flexibilidade, parece-me que, de momento, não é realista falar-se na possibilidade de aplicação generalizada destas soluções em Portugal, essencialmente por três ordens de razão:

  1. Urge, antes de mais, dinamizar e aumentar os baixos níveis de produtividade que caracterizam a economia portuguesa;
  2. É preciso mudar comportamentos e mentalidades;
  3. O atual momento de crise (sim, a descolagem ainda não aconteceu).

Não há, ainda assim, como ignorar a realidade. A redução (mais gradual) do período normal de trabalho está no horizonte, sob a forma de flexibilidade laboral. É um erro pensar-se ser possível manter as formas mais estruturadas ou mais tradicionais de organizar o trabalho ou até os horários, porque, de facto, a mudança é irreversível.

Neste sentido, olhando para o estado da arte, é preciso dizer que, quando a poeira começar definitivamente a assentar, as empresas não podem fazer de avestruz e esconder a cabeça na areia. Embora seja cedo para saber em que se traduzirá a nova “normalidade”, ninguém parece duvidar de que os modelos de gestão necessitam de se modernizar. Por isso, não chega o “sempre foi assim” com que gerimos a nossa empresa. Sempre foi assim, é certo, mas não tem de continuar a ser.

Apresentam-se novos desafios, em que o medo do desconhecido se alia à vontade de mudança, numa espécie de tempestade perfeita. Assumindo a inteligência artificial e a pandemia o efeito de farol que aponta a novos caminhos, as empresas têm, nestes tempos incertos e sem precedentes, a oportunidade de, sem receio da mudança, demonstrar que em jeito de regeneração estão com vontade de arriscar nestes modelos de flexibilização laboral.