Têm vindo a público alguns estudos que procuram prever a evolução de casos de covid-19 em Portugal, todos eles relevantes, ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui. Eu também, interessado e sobretudo, preocupado com o surto, resolvi fazer alguns cálculos. Mas antes de vos mostrar os meus resultados, gostaria de referir o seguinte. Em discussão com alguns biólogos, pelo que percebi, os parâmetros que definem um surto epidémico, são fluidos (ou seja, variam temporalmente, localmente, e até de cultura para cultura), e não são propriamente algo que possa ser ajustado, especialmente com tão poucos dados. Finalmente, o facto de ajustar o modelo aos dados oficiais da DGS que são tornados públicos a uma determinada hora do dia, dependente da velocidade com que são feitos os exames, e a hora arbitrária em que foi determinado administrativamente que se lançariam dados novos faz com que o modelo possa estar a sub ou sobre-estimar os casos.

Sendo assim, torna-se claro que o exercício de realizar cálculos utilizando parâmetros do “aqui e agora” pode ser de uma grande futilidade, especialmente levando em conta que não só os parâmetros variam com o tempo, como também a informação que possuímos actualmente sobre o vírus ser muito preliminar, o que leva a que as incertezas sejam muitas.

De qualquer forma, não deixa de ser importante o exercício de prever os números. Não só porque podem ajudar o governo e as autoridades competentes a encontrar um fio condutor para possíveis medidas, actuais e futuras, como nos pode ajudar, a todos, a compreender quais são os cenários à nossa frente, enquanto cidadãos, pais, filhos, e amigos, mesmo que de forma qualitativa. Mais uma vez, os resultados que vou apresentar devem ser vistos com extrema cautela, até porque muito pouco ainda se sabe verdadeiramente sobre este vírus.

Para a realização dos meus cálculos utilizei um modelo do tipo SIR, à semelhança do que foi feito por Buescu, mas o modelo que utilizei, desenvolvido por sul-coreanos, é ligeiramente modificado, contendo mais compartimentos. Este modelo foi utilizado por estes autores durante o surto de MERS (um primo do covid), em 2015 que afectou este país. Tem a particularidade de levar em conta mais alguns dados do que um simples modelo SIR, incluindo um compartimento para os casos dos que foram infectados, mas estão assintomáticos, e outro para os casos hospitalizados. Ainda, este modelo existe em duas versões: uma versão “fora de controlo” em que o vírus se espalha sem qualquer medida implementada para impedir a epidemia, e uma outra versão, em que podem ser levados em conta parâmetros de controlo de dois tipos: medidas de controlo e mitigação levadas a cabo pelas autoridades, e medidas de auto-protecção tomadas pelos próprios cidadãos. Isto permite fazer uma estimativa da alteração no número total de casos que medidas reais poderão ter.

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Figura 1. Modelo utilizado para os meus cálculos. Retirado do artigo.

Este modelo precisa de muitos parâmetros para funcionar, dois dos quais ainda não são conhecidos completamente para o caso português. porque, claramente, o surto em Portugal começou com algum atraso ao que aconteceu noutros países europeus, por exemplo em Itália ou aqui mais perto em Espanha, para não falar nos países asiáticos, onde o surto teve início em 2019, em particular na China. Estou a falar de dois: a evolução de casos de mortos, e a evolução de casos recuperados.

Como estes parâmetros não são ainda conhecidos para o caso português (temos actualmente apenas 3 casos de mortos e 3 de recuperados), a solução que encontrei foi a de utilizar os dados italianos, que infelizmente já são muitos. Assumindo que as condições em Itália, especialmente no cenário fora do controlo, serão provavelmente muito similares àquelas que existiriam em Portugal, pareceu-me razoável.

Através dos dados dos falecidos (1º gráfico), e dos recuperados (2º gráfico) em Itália consegui encontrar estes dois parâmetros essenciais para a utilização do modelo.

Gráfico 1. Evolução do número de mortos em Itália e modelo ajustado.

Estes dados são depois utilizados para ajustar curva para os casos activos em Portugal. Este ajuste permitiu-me encontrar assim uma curva para os casos activos em Portugal, na versão “fora de controlo” que revelam um cenário catastrófico, relativamente semelhante ao que foi encontrado por outros países, em que o número de infectados poderia atingir um pico máximo de cerca de 40 mil pessoas, que seria atingido por volta do dia 5 de Abril. O valor de R0 (que define a taxa de infecção de “base”, ou seja, em termos leigos, o número de pessoas que cada infectado no princípio do surto consegue infectar) deu-me um valor aproximado de 5, mostrando a “força de contágio” deste vírus.

Gráfico 2. Evolução do número de recuperados em Itália e modelo ajustado.

Finalmente, considerei as medidas de contenção. Numa primeira aproximação considerei dois cenários. Em ambos estes cenários a população, ao utilizar medidas de auto-protecção, conseguiu diminuir a taxa de contágio para metade, mas num dos cenários (cenário 1) as medidas de controlo implementadas pelas autoridades são ao mesmo nível que as medidas implementadas na altura na Coreia do Sul durante o surto de MERS, e no outro cenário (cenário 2) as autoridades implementam medidas, mas num dos cenários (cenário 1) as medidas de controlo implementadas pelas autoridades são ao mesmo nível que as medidas implementadas na altura na Coreia do Sul durante o surto de MERS, e no outro cenário (cenário 2) as autoridades implementam medidas, mas a um nível que tem apenas 50% de eficácia do cenário anterior.

Gráfico 3. Evolução do número de casos activos em Portugal e modelo ajustado.

Os resultados são mostrados no 4º gráfico, que permitem ver que no cenário 1 o número máximo de infectados rondaria os 800, que seria antigido por volta do dia 9 de Abril, e no cenário 2 os 7.000, valor que seria atingido no dia 20. Quais são os números correctos? Acredito que os valores obtidos neste estudo devem ser considerados mais qualitativamente do que quantitativamente. Pode-se pensar nos cenários como definindo dois limites de um intervalo de probabilidades. Assim, o número real de casos activos em Portugal atingiria um pico máximo em torno dos ~800-7.000 casos, entre os dias 9 e 20 de abril.

Gráfico 4. Os diferentes cenários para o número de casos activos em Portugal. É possível ver o efeito “flattening the curve” com medidas de contenção.

Penso que uma mensagem importante que tem este modelo é a real capacidade de “flatten the curve”, o que salienta a importância de medidas de controlo e autoproteção. É de facto possível reduzir o número de pessoas infetadas seguindo as recomendações que tanto temos ouvido nos últimos dias. Sem elas, o meu modelo prevê que o cenário catastrófico, fora de controlo, levará o número máximo a um valor surpreendente de ~40.000 pessoas. Espero que não seja esse o caso em Portugal, mas isso depende de todos nós.