A 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, que decorre entre os dias 27 de fevereiro e 4 de abril, marca o 75º aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E, infelizmente, é fácil perceber que, passados 75 anos desde a Declaração dos Direitos Humanos, esta será ainda uma celebração por cumprir. Tal como reconhecem António Guterres ou Volker Turk, existem muitas áreas onde os princípios declarados em 1948 ficam aquém, como algumas liberdades, o papel da mulher, a emergência climática e menor confiança no sistema multilateral (acentuada com a invasão da Ucrânia). O que poderemos fazer para cumprir os direitos humanos mais elementares?

Uma resposta a esta pergunta passa pelas organizações não governamentais. Estas organizações são, muitas vezes, fundamentais nas dinâmicas sociais de vários países e, na sua grande maioria, são instituições transparentes e profissionais. Será fácil identificarmos serviços importantes assegurados por ONG em diversos eixos, como a luta contra a fome, a promoção de direitos humanos, a saúde pública, o acesso a água e saneamento ou até socorro em situações de catástrofe, como testemunhamos recentemente com o papel de Médicos sem Fronteiras ou The White Helmets no socorro às vítimas do sismo que abalou Turquia e Síria.

Entre as organizações não governamentais, a Amnistia Internacional é uma das mais notáveis. O seu papel na promoção da liberdade e dignidade de cada ser humano é inegável. Acerca da Amnistia Internacional há uma curiosidade histórica que facilmente nos fará perceber o seu propósito e importância. A organização nasceu em Londres, em 1961, após Peter Beneson, seu fundador, ter lido um artigo que relatava a prisão e condenação à prisão de dois estudantes portugueses, de Coimbra, por estes terem feito um brinde gritando “viva a liberdade”.

Num artigo publicado a 28 de maio de 1961 no jornal The Observer do Reino Unido, intitulado “The Forgotten Prisoners, Beneson descreve que existe (praticamente todos os dias) uma notícia de jornal que reporta a prisão, tortura ou execução de alguém por opiniões ou religião inaceitáveis ​​para seu governo. Sistematizou ainda, à data, alguns dos pontos fundamentais da Declaração dos Direitos Humanos (assinada 13 anos antes), como a “liberdade de pensamento, consciência e religião” e também a “liberdade de opinião e expressão”. No seu artigo, Beneson refere que “os governos não são insensíveis à pressão da opinião externa” e que, por isso, era importante mobilizar a opinião pública. Foi este o mote para a criação da Amnistia Internacional, fazendo do artigo um texto quase fundacional da organização.

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Passados quase 62 anos desde a publicação de “The Forgotten Prisoners” e 75 anos desde a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos percebemos que, infelizmente, o artigo de Beneson continua atual. Continuamos com muito por fazer e existem violações chocantes dos direitos humanos, em particular no Afeganistão e Irão.

Estes países, subscritores da Declaração dos Direitos Humanos desde 1948, têm tido um retrocesso galopante – o que deveria causar-nos escândalo. No Afeganistão assistimos (covardemente) ao tratamento das mulheres, afastadas da vida na sociedade, e a quem é negada educação e trabalho e que foram banidas, por exemplo, da colaboração com ONGs (a fonte principal de ajuda humanitária no país). Não bastante, aumentam detenções infundadas, o casamento infantil e forçado e foram praticamente proibidos os movimentos e o apoio às vítimas de violência doméstica. Numa geografia não distante, no Irão, sucedem-se as prisões por apelo à liberdade, com julgamentos sumários, sem garantias e que, não raras vezes, culminam em execuções. Chegam notícias de pessoas presas ou perseguidas por dançarem ou pelo não uso do hijab. Ao mesmo tempo, continuam a acontecer execuções de manifestantes que, desta forma bárbara, têm servido para desmobilizar os protestos de apelo à liberdade (que levaram a mais de 500 mortes). Chegam ainda relatos da uma brutal intimidação e repressão sobre quem ousa (ou ousou) falar.

Hoje, como em 1948 ou 1961, continuamos a ter Prisioneiros de Consciência. E isto deveria provocar a nossa ação. Como escrevia Carlos Drummond de Andrade em 1979, apelando a que não deixassem acabar com os indígenas Yanomami (que também hoje sofrem uma invasão e uma grave crise humanitária): «Não é necessário voar até lá para ajudá-los. Basta, primeiro, que você tome conhecimento da existência deles (…)».

Há umas semanas esse conhecimento e consciência internacional, alcançada pelo trabalho de muitas organizações como a Amnistia Internacional, levou a que o Irão declarasse um ”perdão” a dezenas de milhares de prisioneiros – detidos nas manifestações pela liberdade. Mas este passo, curto, não nos deve aliviar a consciência. Continuam a existir milhares de Prisioneiros de Consciência e milhares de pessoas a quem são negados os elementares direitos humanos. E todas estas pessoas precisam que tomemos conhecimento da existência deles.