O tempo de férias politicamente costuma ser «pacífico». Contudo, nos últimos dias, tem-se revelado muito preenchido. O Governo tem-no aproveitado para «apresentar» medidas «especiais», daquelas que se querem tomar, mas que não se querem fazer notar junto dos eleitores. Foi assim com a milionária contratação do Dr. Sérgio Figueiredo para assessorar o Ministro Medina, mas que o próprio Figueiredo, após um tsunami de indignação nacional, acabou por declinar antes de entrar. Foi assim com o anúncio das alterações que se preparam, junto do Ministério da Educação (que se deveria chamar «Ministério do Ensino»), a propósito das habilitações necessárias para «dar aulas» e permitir o alargamento do leque de potenciais candidatos, notícia anunciada pelo próprio ministro da pasta, Dr. João Costa. Segundo o titular, as alterações ao diploma estão a ser preparadas e serão «publicadas brevemente».
Mesmo sem conhecermos as alterações, há todo um conjunto de preocupações que já se fazem sentir junto de alguns sectores do ensino, nomeadamente das famílias. Estas inquietam-se com a qualidade do ensino que poderá ser assegurado pelos docentes requisitados nas novas condições.
Se não é novidade para ninguém que há falta de professores, no último ano lectivo isso ficou provado à saciedade. Foram milhares os alunos que ficaram sem docentes às mais variadas disciplinas. Não apenas pela quantidade de profissionais que têm pedido a reforma, mas também por tantos milhares que abandona(ra)m o ensino por desmotivação e desinteresse na carreira. A juntar à falta de condições para uma realização pessoal e profissional plenas, com salários baixos, junta-se o desrespeito perante a classe, a falta de autoridade, a indisciplina reinante e o excesso de burocracia das escolas.
Na sexta-feira, 12 de Agosto, o Ministro revelou os números da colocação em mobilidade interna e contratação inicial de professores para o ano lectivo de 2022-23. Referiu que as escolas tinham colocado quase todos os professores necessários para o arranque, mas tal não se verifica. Apenas quem desconhece a orgânica das escolas e do sistema pode fazer uma afirmação destas. De um modo muito simples, o senhor ministro parte do princípio que todos os professores do quadro colocados cumprem os critérios de componente lectiva máxima: 25 horas para os da Educação Pré-escolar e 1.º ciclo, e 22 horas para os do 2.º, 3.º ciclo e secundário, mas tal não acontece devido à redução da componente lectiva que advém da idade, além da quantidade de docentes que, por questões de saúde, estão com atestados médicos.
Esta situação, só por si, desmente os números apresentados. Mas há mais, o Dr. Costa referiu que os «97,7% dos horários pedidos pelas escolas tinham professores atribuídos», mas não referiu que as escolas tinham essa percentagem de alunos com professor a todas as disciplinas.
De um modo geral, as escolas só dia 18 de Agosto, ou mesmo no dia 1 de Setembro, aquando da apresentação dos docentes ao serviço, terão a noção exacta de quantos mais professores necessitarão. O envelhecimento docente leva a cálculos desfasados da realidade, porque a plataforma de concursos tem essa grande falha e, provavelmente, não interessa resolvê-la. Afinal, resolver essa «falha» estragaria os brilharetes das conferências de imprensa do senhor ministro.
Voltando ao assunto primordial, importa sublinhar que o cerne da questão é que faltam muitos professores e a situação continuará a piorar nos próximos anos. Por essa razão foi anunciada a revisão das habilitações para a docência. Essa revisão poderá trazer às nossas escolas «professores» sem componente pedagógica no currículo das suas licenciaturas ou mestrados que, depois, poderá ou não ser realizada através da profissionalização em serviço.
O senhor Ministro apresentou o exemplo flagrante da falta de professores de Informática; mas quem é o engenheiro informático que quer ser professor? Com a falta de profissionais na área e com os ordenados que as empresas estão a oferecer, quantos enveredarão pelo ensino? Não será pelo vencimento e pela valorização profissional, certamente. E nas áreas da Geografia, História, Português, Inglês, Matemática e tantas outras?
Segundo o Ministro, basta uma licenciatura e estão prontos a ser professores. É como criar frangos no aviário, alimentados a farinha 115, e em 21 dias estão prontos a seguir para o matadouro.
E, agora, a questão central: o que é necessário para que não faltem professores? Todos o sabemos, mas não tem havido vontade política para tal.
Existem professores com formação sólida que seguiram outras profissões devido às más condições da carreira. Muitos voltariam a ser professores se os salários, entre outras condições, melhorassem. A opção governativa foi outra: qualquer formação serve para «dar aulas».
Junto da opinião pública, claro que se diz que é uma estratégia muito meritória de combater a «falta de professores». Contudo, a grande questão é que não faltam professores. Falta é vontade de atrair os professores que existem para o ensino.
Neste caso, e pela mesma lógica, há falta de médicos e engenheiros porque não se abre a possibilidade de entrar na carreira a outros profissionais?
Porém, em boa verdade, também podemos escrever que a habilitação profissional, em si mesma, não garante profissionalismo docente. Mas o que é certo é que, até prova em contrário, «professores de aviário» não resultarão e, mais grave do que isso, apesar de mais baratos aos cofres do Estado, sairão muito mais caros ao país e, especialmente, aos nossos filhos e netos. Afinal, com formadores sem alicerces pedagógicos, o ensino não oferecerá a qualidade necessária aos novos desafios que temos pela frente. Perante esta evidência, percebemos que o Governo, após sete anos de vida, e mesmo com um novo ministro na pasta, continua sem rumo, sem estratégia e sem visão.
Quando se governa para quatro anos, não se trabalha na prevenção de problemas para os quais já havia alertas há muito. Afinal, é mais fácil «empurrar com a barriga» e, após algum tempo, dizer que se trata de «problemas estruturais».
E agora?
Agora, é desenrascar! Ou seja, mandar jovens com défice de preparação científica, pedagógica e deontológica «dar aulas».
Estatisticamente, que é o que importa ao Governo, o problema ficará, mais ou menos, resolvido. Afinal, vivemos tempos em que os números são evidências para discursos, debates, cartazes e reportagens. Para estes «brilharetes», a quantidade impera face à qualidade. E não se liga coisa nenhuma à qualidade das aprendizagens; à qualidade das experiências de iniciação à profissão; à qualidade da relação professor-aluno.
Pagaremos todos, e a curto prazo, a falta de responsabilidade da classe política e a falta de investimento na qualidade da Escola.
Os avisos têm sido constantes, mas a navegação à vista impera, até o barco começar a afundar-se. E, se não houver cautela, afundará mesmo.
Finalmente, importa perceber que «dar aulas» é uma coisa. Ensinar é outra e bem distinta! E as nossas escolas precisam de Professores que ensinem, não de «alguém» que «dê aulas». A não ser que o objectivo seja formar «futuros socialistas» na arte do «desenrascar» e pensar apenas no presente. Neste caso, percebemos que qualquer pessoa servirá para «dar aulas».
O combate pela qualidade no ensino é – e será – duro. Não é por ninguém em particular que deve ser travado, mas por Portugal e pelos Portugueses! Um combate pelo futuro dos nossos filhos e netos, que têm direito a um Portugal decente!
Arregacemos as mangas por Portugal! Os Portugueses bem o merecem!