Na Sexta-Feira, 20 de Dezembro, o portal Politico percorria a lista de previsões falhadas para 2024, incidindo nas eleições americanas.

Começava com os comentadores que anteviam uma maçadoria sem precedentes para o tempo pré-eleitoral norte-americano… só para que o cruel destino lhes viesse arruinar a reputação com o atentado contra Trump, a decisão do “governo sombra” do Partido Democrata de substituir Biden por Kamala Harris, os insultos cruzados, as fake news e todo o folclórico entretenimento que viria animar a campanha.

John Harwood, um reputado jornalista, tinha também avançado com uma previsão, que mais do que uma previsão era uma certeza: Joe Biden nunca iria indultar Hunter Biden, e só consideravam essa possibilidade os que, por maldade intrínseca, não conseguiam conceber que alguém agisse de acordo com os seus princípios e se mantivesse fiel à palavra dada (“they can’t imagine someone acting in principle and keeping his word”). Infelizmente para Harwood – e felizmente para Hunter e Joe –, Biden, na hora da verdade, deixou que a (auto)indulgência e a (auto)misericórdia galgassem princípios e palavras de honra.

Mas foi quanto ao resultado da eleição que os analistas e as empresas de sondagens mais se excederam no erro. Rob Reiner, o realizador de A Few Good Men e The Wolf of Wall Street, escrevia poeticamente a 4 de Novembro, véspera da eleição: “De uma mulher todos nascemos; amanhã, de uma mulher, nascerá a nossa Democracia renovada” (“A woman gave birth to each and every one of us. Tomorrow a woman will give birth to a renewal of our Democracy”). Mas, lamentavelmente para Reiner – de resto, um bom realizador –, a mulher, Kamala, e o seu companheiro de lista, Tim Waltz, acabariam por não dar à luz o que quer que fosse… Eram, claramente, um erro de casting e tinham tudo para não levar a termo a gravidez.

No dia 1 de Janeiro de 2024, ainda antes da entrada na corrida do novo casal, Juan Antonio Williams, o comentador de esquerda de serviço da Fox, tinha escrito uma premonitória frase idiomática sobre Joe Biden algures entre os nossos “devagar se vai ao longe” e “ir pelo seguro” ( “Slow and steady wins the race”). Devagar, ainda podia ser uma característica do candidato, já a segurança e a estabilidade … Mas, enfim, para Juan Antonio havia ainda o contexto nacional, e o contexto nacional era seguro até, ou sobretudo, junto dos eleitores mais oscilantes:

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“Com a Bolsa de Valores em alta, o desemprego baixo, os salários a subir, a inflacção a abrandar […] Biden tem um pleno para vencer os swingvoters”.

Também a reputada The Economist Intelligence Unit apelava à inteligência dos seus subscritores para a única previsão lógica: “Biden vai ganhar a eleição, apesar dos desafios que enfrenta … Um factor a favor de Biden é a economia, que continua uma prioridade para os eleitores”.

Não contavam talvez nem com a inteligência dos eleitores nem com a oscilação dos mandantes do Partido Democrático, que resolveriam jogar pelo seguro, substituindo a meio da corrida o corredor de fundo.

No diário inglês Financial Times, Ed Luce, especialista em política americana, também avançava com outro vaticínio: “Trump vai ser condenado criminalmente, pelo menos num dos seus quatro processos, talvez em dois, antes da eleição”.

E assim por diante … Lá como cá. Cá ainda pior, dada a total ausência de contraditório: primeiro com juras sobre a excelente condição do primeiro canditado, depois com encómios à futura, e praticamente certa, Administração Kamala – a primeira mulher, a primeira indo-afro-americana de classe média, à frente dos destinos da América, contra o diabólico e imprestável Trump que só contaria, quando tanto, com o voto dos brancos machos, assustados com a perda da hegemonia na América.

Até para o Ano

É à luz deste fiasco de previsões no ano que passou que devemos pensar no ano que aí vem, evitando o vício do costume: a confusão, por razões de preconceito ideológico e maniqueísmo, entre o que é e o que se gostaria que fosse.

A Esquerda, e o Centrão, que têm caído mais notoriamente no referido vício, desumanizaram de tal maneira Trump, Orbán, Le Pen ou Meloni, criando à sua volta uma teia maniqueísta de explicações conspiratórias e visões maléficas, que já não raciocinam normalmente quando estes políticos, os seus partidos ou as suas ideias entram em cena.

É compreensível. Na versão da Esquerda (que contaminou grande parte do Centro-direita com medo da Esquerda), se a democracia, o povo, a competição partidária, o voto, são coisas boas e Trump, Orbán, Le Pen, Meloni são maus, inimigos do povo, da democracia, dos partidos, não podem nem devem ganhar pelo voto do povo, em democracia.

Quando começam a ganhar e se começarem a ganhar é porque alguma coisa está mal ou a toldar a razão e a vontade do povo.

Mas além da Inteligência Artificial (IA) ou dos algoritmos manipulados dos Tik Toks e do Xs há também outro factor que não podemos menosprezar, embora custe às vezes medir onde chega: a Estupidez Natural (EN) de alguns protagonistas da classe política – ou da pré-classe política, como ainda na semana passada aqui, no Observador, Alberto Gonçalves relatava a propósito da competição para a presidência da Juventude Socialista.

Talvez devêssemos voltar ao sistema do mandarinato e fazer uns exames obrigatórios, como os da Quarta Classe e Admissão aos Liceus do “tempo do Fascismo”. Já não digo os do antigo Quinto Ano do Liceus, porque era capaz de o Parlamento ficar sem quórum.

Neste mundo inspirado numa convergência do pior do capitalismo financeiro e do wokismo académico, parece que a única constante é o “empoderamento” interessado de “minorias” e a alienação em relação à realidade e às pessoas comuns, por ignorância, por preconceito ideológico ou por uma combinação de ignorância e preconceito.

Arrisco, então, uma previsão para 2025 e para os anos vindouros: sendo claro que ninguém quer impor a própria realidade às famosas “minorias” e respectivas microfobias e susceptibilidades agressivas, também ninguém vai querer deixar-se governar e regular por elas.

Feliz Ano Novo