O Decreto-Lei n.º 108/2018, baseado numa Diretiva vinda da União Europeia, dirigido ao uso das radiações ionizantes e à proteção radiológica, e que abrange todos os profissionais de saúde que usam aparelhos de Rx, tais como os médicos dentistas, médicos estomatologistas, odontologistas, médicos veterinários, e todos aqueles que usam pequenos Rx, a maior parte topo de gama, que emitem muito pouca radiação e que, convenientemente usados, não prejudicam o ambiente, ainda está em vigor.
O Decreto-Lei foi mal redigido, veio criar grande instabilidade nos setores a que se aplica, e a sua regulamentação foi entregue à Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Esta entidade, que à data pouco sabia sobre saúde, não cuidou de contribuir para adaptar a Diretiva à nossa realidade, aliás como foi realizado em todos os outros estados-membros.
Dele constam assim, num “surrealismo” de burocracias, a contratação obrigatória de físicos médicos (existem apenas 16 disponíveis em Portugal), cursos onerosos de 100 horas de física pura (nos outros estados da União Europeia a média pedida é de 8 horas), e seguros contra perigos radioativos que não existem e que nenhuma companhia seguradora quer contratar. Aos diretores clínicos, é ainda exigida a elaboração de uma parafernália de documentos: redação/redefinição do Regulamento Interno segundo o DL 180/2018; Programa de Proteção Radiológica; Plano interno de emergência radiológica; Plano de manutenção e recertificação de equipamentos; Plano financeiro afeto à prática radiológica; Plano de Vigilância Médica; Registo de não conformidades e ações de melhoria; Protocolos escritos de incidência radiológica; Protocolos especiais de proteção em grávidas e lactantes…
Em resumo, é um decreto-lei impossível de cumprir. Os consultórios de saúde oral, por exemplo, que trabalham maioritariamente no privado, começaram já a fechar. Quem falhar com o mínimo requisito, sofre coimas ambientais (!!!) que podem chegar à ordem das dezenas ou centenas de milhares de euros, “cobrados” pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).
Pois bem, devido a isto, e se nada for feito, a saúde oral em Portugal pode ter os dias contados.
Falando especificamente dos cursos de reciclagem de proteção radiológica que nos querem impôr para podermos radiografar os nossos doentes: nos restantes estados-membros, tudo foi adaptado, e a média de duração dos cursos pedidos é ridícula em relação ao que nos é pedido. Mas estaremos na Europa? Querem que paguemos 3.000 euros por cursos de 100 horas, originando negócios estratégicos para lobbies inasaciáveis, que nos tiram recursos e tempo de trabalho e nada acrescentam à nossa formação?
Todos tivemos nas universidades formação nas cadeiras de física médica, radiologia e imagiologia, e sabemos o que estamos a fazer. Obviamente que nenhum profissional se recusa a fazer reciclagem, mas isto é redundante, desnecessário e só envergonha as universidades que nos formaram.
Além disso, para fazer os licenciamentos necessitamos de contratar um físico médico, que, não sendo um médico, é um físico que fez uma pós-graduação em física médica. Ora existem apenas 16 aptos para nos ajudar em todo o país, e as clínicas de saúde oral são mais de seis mil! Outro negócio… ainda por cima impossível!
Entretanto, e para legalizarmos os aparelhos de rx, começaram a aparecer empresas “fantásticas” para o fazer, com custos que variam muito, podendo chegar aos 10.000 euros… mais negócio…
Mas ainda não perceberam que os profissionais de saúde também têm a “corda ao pescoço” com a conjuntura geral?
Olhando agora para o contexto em Portugal abordando o tema da sustentabilidade e economia circular, se por um lado a grande maioria do tecido empresarial português é permeável e sensível à importância das questões ambientais, ainda que por pressão, bem como da economia circular, este é ainda focado na gestão de resíduos, ou seja, “no correr atrás do prejuízo” e não na visão de “nada se perde, tudo se transforma” que implica o seu total aproveitamento e reintrodução no processo produtivo. Existe uma perceção de que estes temas são críticos para a sua sobrevivência, competitividade e crescimento futuro. Porém, ainda há uma enorme incapacidade de os implementar na prática nos negócios, de os incorporar nos processos produtivos de início ao fim da cadeia de valor e da sua adoção como elemento e conceito estratégico da sua atividade empresarial.
Isto para explicar que os profissionais de saúde oral e outros médicos, como os radiologistas, compõem uma parte considerável do tecido empresarial. E se queremos ser competitivos e ser empresas sustentáveis não podemos acreditar e aceitar que nos “persigam” com coimas ambientais! Gostaríamos de perseguir, para as nossas clínicas, uma economia sustentável, assente nas pessoas e ambiente, mas a economia das clínicas está a ser drasticamente afetada pelas taxas e taxinhas, que fazem questão de nos impor desde que haja a mínima “janela de oportunidade”. O mundo digital abriu-nos as portas, inclusive para uma menor criação de lixos contaminados, que seguem para aterros. Para não falar nos nossos rx digitais que revolucionaram a radiologia, onde tudo é computorizado, com menor emissão de radiação e desta forma deixámos de usar películas e líquidos reveladores tóxicos para o ambiente. Esta preocupação está bem patente em nós e as mudanças têm sido drásticas.
Para além disto tudo, temos sido resilientes, mantivemos as clínicas abertas durante a Covid, muitos pondo dinheiro do próprio bolso, para manter postos de trabalho e não largar o que nos move: os nossos doentes. E não falhamos, todos os meses, com os impostos, considerados dos mais altos da Europa.
Pedimos uma postura responsável aos nossos governantes. Adaptem rapidamente o Decreto-Lei, caso contrário encerraremos! Será impossível resistir a tanta despesa, perante o cenário que se vive na atualidade. Uma inflação nunca vista nas últimas décadas e o sofrimento consequente das famílias.
Desde já avisamos que os pacientes irão fazer filas num SNS absolutamente incapacitado para os receber!
No site da IGAMAOT podemos ler: “A IGAMAOT levantou 100 autos por contraordenações em matéria de exposição a radiações ionizantes em instalações médicas e não médicas (hospitais, clínicas de imagiologia, consultórios dentários e veterinários) e em instalações industriais.” – de janeiro a Agosto de 2020. A partir desta data não revelam mais números, mas sabemos que foram levantados muito mais autos.
Será o exercício da medicina dentária, estomatologia, radiologia em geral e medicina veterinária o novo desastre nuclear do século XXI? Alguém acredita nisto? Ou querem destruir os pequenos consultórios privados? Em política, o que parece é!