Todos os países têm, por ação ou omissão, uma política de imigração, uma política de não discriminação e uma política de combate à criminalidade. Trata-se de políticas diferentes que, para serem sustentadas e eficazes, devem assentar no conhecimento da realidade e em dados empíricos sólidos e não em percepções, nomeadamente sobre correlações entre variáveis que podem simplesmente não existir ou serem espúrias. Algo que sabemos é que é devido ao saldo migratório positivo, que mais que compensa um saldo natural negativo,  que a população portuguesa está a aumentar.

Conhecer a realidade da imigração, sem estigmatizar nenhum grupo de imigrantes, não é uma tarefa fácil. No último censo de 2021,  o INE revelou a existência  de pouco mais de meio milhão de estrangeiros residentes em Portugal. Brasil ocupava a primeira posição e Angola a segunda, mas logo a seguir, o conjunto de Índia e Nepal ocupava a terceira posição. Foi nestes dois países que mais aumentaram os fluxos migratórios para Portugal. Após alguma polémica, pois há argumentos válidos em sentido contrário, o INE em 2019 decidiu não incluir  uma pergunta sobre a origem étnico-racial no Censo de 2021. Os argumentos nesse sentido foram que se corria o risco de institucionalizar essas categorias étnicas e que tratando-se de uma questão complexa exigiria que tivesse começado a ser analisado em 2015. Porém, foi anunciado que se faria um inquérito posteriormente. Só muito recentemente  o INE fez e publicou (Dezembro de 2023) um Inquérito às condições de vida, origem e trajetória da população residente. Como é referido na nota metodológica desse inquérito “Combater o racismo e a discriminação étnica, assim como obter dados e conhecimento acerca desta temática com o intuito de produzir e apoiar a definição de políticas públicas é uma prioridade para a Comissão Europeia”. Este inquérito é um progresso no conhecimento da realidade da imigração e da discriminação em relação a certo tipo de imigrantes. As categorias  usadas para auto-classificação das pessoas são: branco, asiático, cigano, negro, ou de origem ou pertença mista. Esta última categoria é pouco interpretável, mas mesmo assim há muitos dados interessantes. Por exemplo, dos que se auto-classificam como brancos, apenas poucos (13,9%) tiveram experiência de discriminação, enquanto que nos que se consideram negros ou ciganos essa proporção aumenta significativamente (44,2% e 51,3% respetivamente). Ou seja parece existir uma clara relação entre origem étnica e discriminação.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) publicou agora o barómetro da imigração, a perspetiva dos portugueses que é um importante contributo para compreender a diversidade de percepções dos portugueses em relação ao fenómeno da imigração, considerando as seguintes categorias de imigrantes consoante a sua origem geográfica:  países da europa ocidental e países da europa de leste, países africanos, Brasil, e sub-continente indiano (Índia, Paquistão, Nepal e Bangladesh). Esta classificação, é útil para compreender a estrutura sociográfica das pessoas com nacionalidade estrangeira residentes em Portugal. Desde logo o número de estrangeiros com autorização de residência em Portugal (um conceito diferente e mais amplo do usado pelo INE) é de mais de um milhão, muito superior ao valor do censo.

Há muitas coisas úteis a retirar do Relatório da FFMS. Primeiro, que os inquiridos sobrestimam significativamente o número de imigrantes existentes em Portugal.  Depois que têm a percepção que os imigrantes são fundamentais para a vida económica do país (68%). No entanto, também consideram que fazem aumentar o nível de criminalidade (67,4%), contribuem para manter os salários baixos (68,9%) e recebem mais da segurança social do que contribuem (52,2%). Acontece que se trata de percepções. Não há qualquer evidência empírica que sustente estas percepções. Em contrapartida há uma questão que traduz um sentimento real, e por isso merece atenção, porque põe os inquiridos perante  a perceção da diferença cultural dos imigrantes face aos portugueses: “no que respeita aos usos e costumes dos imigrantes, considera-os nada, um pouco ou muito diferentes?”. A esmagadora maioria considera que os que provêm do sub-continente indiano são muito diferentes (81,1%) e essa proporção é também elevada para os oriundos da China (70,7%), reduzindo-se drasticamente para os que provêm de países ocidentais (16%). Este dado não deixa de ser relevante para se perceber a maior distância cultural em relação aos imigrantes destes países (desde logo ao nível da língua). Não devendo ser ignorado, esta constatação deverá ser considerada no desenho das políticas públicas que mais do que estigmatizar estes imigrantes devem promover o multiculturalismo, e ter reais ações de integração. Muitos dos imigrantes que não falam português — um elemento importante para a integração social e cultural —  dizem que não sabiam onde podiam receber essa  formação (ver inquérito do INE acima referido).

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Deixo para o fim a razão de ser deste artigo. Sou dos muitos que ficaram profundamente chocados com a imagem da rua do Benformoso, com uma longa fila de pessoas encostadas à parede face a um forte contingente policial, com o modesto resultado que todos conhecemos. Um imagem semelhante entre nós em escala pequena foi a de PIDES a serem presos, poucos dias após o 25 de Abril. A diferença é que então tratavam-se de criminosos. Aqui são pessoas comuns que fazem a sua vida tranquilamente no nosso país, sendo que muitas realizam tarefas que nenhum português gostaria de fazer (limpezas, transporte de alimentos, etc.).

A polícia argumentou que se tratava de uma zona onde em dois anos houve 52 crimes. Devo dizer que tenho razões para alguma suspeita sobre este número. Ainda recentemente com a morte de Odair, tivemos uma narrativa inicial policial justificativa da sua morte que rapidamente foi desmentida. O número, serviu bem para o ministro António Leitão Amaro chamar ao sentimento e perguntando à jornalista (cito de cor), “imagine que em cada duas semanas era assaltado alguém na sua rua”. Não sei portanto se esse número é real, mas para efeitos do meu argumento vou assumir que sim que é verdadeiro.

Ora bem, as atividades policiais de proximidade justificam-se. Por exemplo, em Inglaterra o  policiamento local com vista a diminuir níveis de criminalidade em áreas específicas chama-se  hot spot policing e envolve uma abordagem abrangente com duas estratégias: por um lado, tentar compreender o porquê de se tratar de um “hot spot”, e identificar as causas da criminalidade e desenhar estratégias adequadas para a combater, por outro ter maior presença policial. A questão não está na presença policial que tem de existir em todos os lugares onde existe criminalidade. O que ofendeu muito gente, foi a desproporcionalidade e magnitude da ação  policial. O governo que tutela a PSP deve pensar se quer ir atrás de uma agenda que  estigmatiza os imigrantes e reforça os estereótipos e as infundadas percepções em relação a certas nacionalidades, porque considera que isso lhe trará mais votos, ou se quer ter uma política de imigração e de segurança interna inclusiva e de respeito dos direitos humanos.