Parece uma piada progressista mas é bem real e revela bem a inconsistência do novo primeiro-ministro britânico em matéria dos direitos das mulheres… Pouco dado a factos biológicos e mais alinhado com a ideologia política do momento, Keir Starmer conseguiu mudar várias vezes a sua definição do que é uma mulher desde que tem subido a escada da liderança trabalhista.

Senão vejamos: no afã de se demonstrar muito “inclusivo”, Keir Starmer chegou a afirmar em 2021, no auge do ativismo trans no UK, que “não era correto dizer que apenas as mulheres têm colo de útero” (!), numa discussão com a sua colega de bancada, Rosie Duffield, que solitariamente se tem batido pelos direitos das mulheres dentro do seu próprio partido. Dois anos depois, em 2023, sir Keir Starmer causou polémica ao referir que “99,9% das mulheres não têm pénis” (!).

Recentemente, o líder do ‘Labour party’ voltou a mudar de opinião. Tudo começou com uma tirada de Tony Blair quando, a propósito da campanha eleitoral, o ex-primeiro ministro teve de responder a uma questão que tem causado aceso debate no país – devem ou não as mulheres trans, ou seja, homens que se auto-identificam como mulheres, ter livre acesso às casas de banho, prisões e enfermarias exclusivas para mulheres, bem como às competições desportivas femininas? Em tempos disruptivos, a resposta de Sir Tony, foi destacada a título em vários jornais como se fosse uma tirada polémica: “Tony Blair: A woman has a vagina and a man has a penis”.
Dizer o óbvio soa a absurdo distópico e revela bem a insanidade dos nossos tempos e ainda mais surreal é a necessidade de ouvir a confirmação desta verdade insofismável mas assim fez Keir Starmer… Como mais vale tarde do que nunca, instado a comentar Blair, disse apenas : “Yes, Tony is right about that. He put it very well”.

Três dias antes de ser eleito, Keir Starmer foi ainda mais longe (!) e prometeu às mulheres britânicas que voltaria a tornar as casas de banho públicas e as enfermarias hospitalares em espaços exclusivamente reservados a quem nasceu efetivamente com os cromossomas XX…Veremos se cumpre a promessa.

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O que fez Keir Starmer regressar à realidade factual e objetiva de um dado irrefutável? Um escândalo, grande, com origem no hospital Tavistock, especializado em medicina de género, considerado o maior da Europa e que envolveu milhares de crianças e jovens irreversivelmente transformados por médicos transativistas e a investigação que se seguiu liderada pela pediatra mais reputada do país, Hilary Cass. A médica, com a preciosa ajuda de uma equipa da universidade de York arrasou a abordagem terapêutica instalada nesta unidade do NHS, o serviço nacional de saúde britânico.

A investigação durou quatro anos e foi desencadeada após uma sucessão de queixas de má-prática clínica por parte dos jovens pacientes e, mais tarde, por um grupo de mais de uma dezena de profissionais de saúde mental que também ali trabalhavam. Estes acabariam por acusar os colegas de pouco rigor nas avaliações médicas, assentes em meras validações de autodiagnósticos dos próprios menores perturbados (muitos deles influenciados pelo tóxico mundo online) e uma sistemática indiferença em relação às comorbilidades associadas como depressão acentuada, dismorfia corporal frequentemente associadas a abusos sexuais, homofobia interna, espectro de autismo, etc. Dessa prática clínica grosseira, resultaram irreversíveis cirurgias de mudança de sexo e efeitos devastadores devido à toma de terapêuticas hormonais.

E assim, o que toda a gente já previa, veio confirmado, preto no branco, pela boca de Hilary Cass, antiga presidente do Royal College of Paediatrics and Child Health – as evidências médicas assentes nas terapias hormonais para tratar jovens com disforia de género são “pobres” e “inconsistentes” e o seu impacto na sua saúde mental e física, a longo prazo, é um inquietante ponto de interrogação.

Num extenso relatório, o Cass Report, com cerca de 400 páginas, a pediatra arrasou com a “abordagem afirmativa” assente na medicalização (recomendada pela WPATH e também por cá seguida pelas unidades de género do SNS…) salientando que para a esmagadora maioria dos jovens com questões de identidade de género, a terapêutica medicalizada (hormonal e cirúrgica) não é a melhor forma de lidar com os seus questionamentos identitários, devendo estes ser antes tratados com uma “abordagem holística”.

Em entrevista ao The Guardian, a médica não poupou críticas ao radicalismo da cultura woke e ao debate ideológico a envolver um tema que é do estrito foro da saúde pública mental de crianças e jovens. A médica revelou ainda que foram muitos os obstáculos que enfrentou junto dos próprios clínicos que ainda permaneciam  no Tavistock para analisar os milhares de processos que dispararam nos anos mais recentes – de 250 em 2011 para mais de 5.000 em 2022. O Tavistock, refira-se, recebeu, entretanto, ordem de encerramento.

“A toxicidade do debate é perpetuada pelos adultos, e isso por si só, é injusto para as crianças que são apanhadas no meio dele. As crianças estão a ser usadas como uma bola de futebol e este é um grupo pelo qual deveríamos mostrar mais compaixão”, disse a pediatra ao The Guardian.

O Cass Report , divulgado no passado mês de abril, foi a pedrada no charco pantanoso da ideologia em que o Reino Unido se  tem afundado nos anos mais recentes reintroduzindo o debate de, sob a capa da proteção aos direitos das pessoas trans, se desrespeitar os direitos das mulheres.

Cerca de um mês após a apresentação do Cass Report e ainda com o executivo liderado por Rishi Sunak foram apresentadas novas linhas de orientação para as aulas de Cidadania nas escolas, proibindo o ensino da teoria de identidade de género a menores de nove anos e as enfermarias dos hospitais públicos voltaram a ser exclusivamente por género biológico, com as pessoas trans a terem acesso a quartos individuais.

Desengane-se quem ache que este assunto não nos diz respeito. A partir do Cass Report que tornou clara a forma terrivelmente impactante como a teia identitária está a ter efeito junto dos mais jovens, muitos outros países estão também a fazer a sua reflexão nesta matéria, como a Bélgica e os Países Baixos , que querem também restringir os bloqueadores hormonais, à semelhança do travão a fundo já aplicado nesta matéria por países como a Suécia, Noruega ou a Dinamarca, só para citar mais alguns exemplos.

Em Portugal, refira-se, temos uma média de 10 pessoas por semana, a mudar de género e nome no cartão de cidadão (529 pessoas no total, dos quais 70 menores). Já em 2022, a mudança tinha sido requerida por 519 pessoas, um aumento de 30% em relação a 2021, ano onde o acréscimo já tinha sido bastante significativo em relação a 2020, em cerca de 70%.

Nesta espiral de números urge perceber quem precisa realmente de se encharcar em hormonas e perder partes saudáveis do seu corpo ou simplesmente receber psicoterapia como recomenda Hilary Cass à comunidade médica que acompanham estes casos.

Um tema controverso que está longe de reunir consensos mas cuja sensibilidade torna incontornável uma maior reflexão e debate. As crianças e jovens com crises identitárias agradecem.