Quando eu e a Ana Rute começámos a namorar em 1999 tínhamos 22 anos. Com 22 anos eu precisava de me sentir ainda mais diferente do que hoje. Uma dessas diferenças era, por exemplo, desprezar o dia dos namorados. Para ser sincero, acho que em 2024 ainda desprezo um pouco o dia dos namorados. Mas uma coisa mudou, na sede que na juventude tinha de ser diferente de maioria: hoje testo desprezar o desprezo que antes tinha pelo dia dos namorados. Testo eu e testa a Rute.

Como é que hoje testamos desprezar o desprezo que antes tínhamos pelo dia dos namorados? Por exemplo, oferecendo-nos pequenos presentes. E tem uma certa graça porque, se antes não ligar ao dia dos namorados era fazer pouco da maioria, hoje ligar um pouco é fazer pouco de nós próprios. De cada vez que trocamos pequenos presentes no dia dos namorados eu e a Rute rimo-nos da figura que estamos a fazer, numa mistura de escárnio e embaraço—é único, de facto.

Que tipo de prendas trocamos? Nada de especial mas especial ao mesmo tempo. Este ano a Rute ofereceu-me a poesia completa do Daniel Faria, dizendo enquanto me passava a prenda para as mãos: “comprei-te porque queria para mim” (como o Homer Simpson que oferecia a bola de bowling que desejava para si à Marge). Eu tenho oferecido flores que compro no Pingo Doce, tirando o invólucro antes, claro. É este o tipo de casal que somos.

Como se pode calcular, não vou resistir à tentação de moralizar um pouco a partir das rotinas toscamente românticas dos Cavacos. Proponho que o melhor do casamento também é essa desistência de comemorar a sua qualidade. Como assim? Um dos problemas do dia dos namorados é a sua pressa em emborcar o suco do seu fruto. Ainda a videira mal se aguenta e já andamos bêbados aos zigue-zagues, em discursos espirituosos acerca da bela colheita que nos calhou em sorte.

Acho que só comecei a namorar com a Rute de há uns anos para cá. A sério. E ainda ando a aprender a ser um namorado decente. Confesso que nos dois anos e meio que namorámos eu era um tipinho que nunca recomendaria a nenhuma das minhas filhas (tive sogros generosos e optimistas). No entanto, estava cheio de certezas acerca do que me distinguia da maioria, passando paradoxalmente por um namoro que se destacava por não comemorar o dia dos namorados.

Não leiam mal esta pobre crónica e não fiquem todos cheio de vontade de namorar. Nem fiquem com vontade de serem iguais ou diferentes. Só queria contar-vos como foi este ano o meu dia dos namorados com a Rute, agora que nos envergonhamos um pouco menos dele.

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