1 Uma desilusão com cinquenta anos. As lideranças e alguns dos fundadores foram uma ilusão perdida para quem durante anos votou CDS. Eu decepcionado me confesso. Diogo Freitas do Amaral, que na década de oitenta teve um confronto épico com Mário Soares, acabou num governo com socialistas de que o próprio Soares se teria envergonhado. Basílio Horta é hoje autarca socialista. Lucas Pires e Manuel Monteiro também desistiram do partido. E não há forma de falar da grande maioria dos deputados, para quem a passagem pelo Parlamento foi apenas uma catapulta profissional. Cinquenta anos é tempo demais. Nem mais um minuto.

2 Duas facções e ziguezagues. Em princípio não haveria problema em haver várias correntes de pensamento dentro do mesmo partido, pelo contrário: seria um sintoma de que a democracia funciona em todo o seu esplendor. Pior estão certos partidos da esquerda radical: verdadeiras autocracias disfarçadas de comités do povo ou que nasceram através de uniões ideológicas antagónicas. A grande questão do CDS é que as duas facções não têm origem marcadamente ideológica, pelo contrário, são daqueles grupinhos como da escolinha, em que uns são maliciosamente contra os outros sem contexto racional. Apenas representam grupos de interesse. E isto sempre foi contraditório com os valores que o CDS sempre disse defender.

3 A democracia-cristã foi um logro. Sem seguir os passos seguros que fizeram grandes partidos do Norte da Europa, a democracia-cristã nacional não seguiu a tendência geral de ser de centro-direita nos costumes e de centro-esquerda na economia. E além de ser sempre pouco cristã na aproximação aos problemas sociais do país, ainda conseguiu ser anti-europeísta durante muito tempo. A verdade é que nunca foi um partido com uma ideologia prevalecente, mas sim um grupo de causas dispersas e aleatórias. Para completar o descalabro, vejamos para onde foi a debandada geral do que restava do CDS: o Chega, que propaga o ódio contra grupos de cidadãos, ou a Iniciativa Liberal, que é a favor das drogas, da eutanásia e do aborto. Como é que alguém adormece a defender certos valores e acorda a defender o seu oposto?

4 Um presente agarrado ao passado. Considero o Nuno Melo uma pessoa inteligente e séria. Mas caído o CDS no fundo do poço, não teve a coragem política de fazer um reset e começar do zero. Tentou arranjar consensos e misturou fruta podre com novas colheitas, em vez de deitar ao lixo tudo o que correu mal nos últimos cinquenta anos. E claro que se Nuno Melo conseguir o milagre de ressuscitar o partido, voltarão como se nada fosse os abutres responsáveis pelo enterro democrata-cristão: Meireles, Anacoreta, Rodrigues dos Santos, Cristas e por aí adiante. A melhor forma de cometer os mesmos erros do passado é insistir no mesmo caminho que levou até eles. Se o máximo a que o Nuno Melo aspira é o CDS ser o logro bem-sucedido que foi no passado, deve continuar por esse caminho das causas dispersas e insistir nessa gente. E apesar de eu considerar que o CDS é o primeiro aliado natural do PSD, este último não pode ficar mais ligado a um partido como foi aqui descrito. Nem em legislativas, nem em autárquicas, nem em europeias.

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