É o sexto. O sexto primeiro-ministro debaixo da alçada de Emmanuel Macron. E François Bayrou é aquele que está mais perto ideologicamente de Macron, finalmente o pai e o filho reencontraram-se, depois de anos de desencontros. A alma do macronismo é o MODEM, e nenhum homem sintetiza melhor esse partido do que o novo primeiro-ministro francês.
As horas douradas do macronismo já lá vão – os atribulados tempos dos coletes amarelos parecem hoje uma janela temporal desejável, comparados com as duas derrotas que Macron sofreu em 2024.
Vamos à primeira. A eleição para as instituições da União Europeia, realizada em Junho, viu a vitória da lista conduzida por Jordan Bardella – o delfim de Marine Le Pen. Recordemo-nos que já em 2019 foi esse mesmo Bardella a liderar a lista lepenista. Mas a diferença é importante: se em 2019 Bardella tinha recolhido cerca de 23% dos votos e estava somente ligeiramente à frente da lista da macronista de Nathalieu Loiseau – cerca de 22% dos votos – desta feita o fosso alargou-se. Para os 31% de Bardella, Valérie Hayer não conseguiu mais do que 14%.
A progressão do partido lepenista é notável e o seu ancoramento em várias partes do território já não é contestado por quase ninguém. A narrativa de que votar nesse partido era essencialmente um voto de protesto é cada vez mais difícil de engolir, e os franceses temem cada vez menos o nome Le Pen, mesmo que os anticorpos contra essa família continuem bem activos.
Face à traulitada infligida, Macron dissolveu a câmara baixa francesa, convocando eleições que se realizaram nos dias 29 e 30 de Junho – primeira volta – e nos dias 6 e 7 de Julho – segunda volta. As análises divergem: uns avançaram que Macron havia preparado já há largos meses a dissolução, e que estava à espera da derrota que obteve nas europeias. Outros disseram que Macron se precipitou, e que a dissolução foi decidida por ele e por um número extremamente restrito de conselheiros, e que nem o seu primeiro-ministro, Gabriel Attal, o sabia.
Chegamos agora à segunda derrota. As legislativas antecipadas trouxeram muitas surpresas. A primeira foi a rapidez com que formações de esquerda conseguiram chegar a um entendimento pré-eleitoral e apresentar uma frente unida: a Nova Frente Popular. Após a querela durante a campanha para as europeias entre a França Insubmissa e os socialistas de Raphaël Glucksmann, muitos pensaram que uma união para as legislativas seria impossível – enganaram-se.
Claro está, esta Nova Frente Popular é uma aliança heteróclita com quatro marcas distintas (para simplificar): os insubmissos, os socialistas, os comunistas e os ecologistas. Dentro desta aliança existem duas facções distintas: uma que é compatível com o macronismo (ecologistas e socialistas), outra que não o é (insubmissos e comunistas).
A aparição de François Bayrou só pode ser compreendida se compreendermos que Macron, no último momento, rejeitou escolher o socialista Bernard Cazeneuve como primeiro-ministro e preferiu nomear Michel Barnier. A vingança socialista não tardou…
Os socialistas vendem-se, mas bem. Seria possível vê-los a apoiar um bloco central macronista. Porém, era necessário que o primeiro-ministro fosse um dos seus. Ao optar por um primeiro-ministro do centro-direita decadente – dos Les Républicains – Macron premiou a quarta coligação mais votada das eleições.
Se 65 deputados socialistas (dos 66 da câmara) não tivessem votado a moção de censura contra Barnier, o número mágico de 288 votos não teria sido alcançado e Bayrou não seria hoje primeiro-ministro francês.
Em França poucos são aqueles que acreditam na longevidade de Bayrou, estão todos a afiar as lâminas para as novas legislativas; estas só se poderão realizar, constitucionalmente, no Verão de 2025 – quando Macron poderá voltar a dissolver a Assembleia Nacional.
Em discurso aos franceses Macron afirmou que a extrema-direita e a extrema-esquerda haviam removido Barnier, numa frente contra a República. Muitos politólogos, quando avaliam o espectro político, gostam de falar da extrema-esquerda, do centro-esquerda, do centro-direita e da extrema-direita. Mas a realidade política é mais movediça e complexa. Uma divisão entre esquerda, centro e direita parece-nos mais representativa da realidade fáctica. Mas se querem continuar a classificar Mélenchon de extrema-esquerda e Le Pen de extrema-direita uma coisa é certa: Macron e Bayrou são o extremo-centro.
Como assim extremo-centro? O centro não está numa extremidade, isto não é possível! Não o seria se pensássemos linearmente, mas se introduzirmos profundidade é totalmente possível. O caso francês – que é a vanguarda continental – demonstra-nos a tendência europeia: não há diferença substancial entre o centro-esquerda e o centro-direita. É por isso mesmo que Macron conseguiu reuni-los. A questão central é a questão da União Europeia – que no meio de todos os contorcionismos macronistas permanece a rainha do discurso.
Quando Macron evoca uma soberania europeia ele sabe exactamente o que está a fazer; a soberania, sendo una e indivisível, só pode estar num lado. Ora se a União Europeia é soberana isso significa que a França já não é um Estado soberano, mas sim um Estado federado da União Europeia.
É esta questão, a da soberania, que será a mais importante deste século, até ser claramente respondida. Os saudosistas sonham com um retorno à tranquilidade dos turnos: um turno para o centro-direita, um turno para o centro-esquerda, numa calmaria apaziguante. Sonham, igualmente, que o macronismo tenha o mesmo fim que o partido espanhol Ciudadanos.
François Bayrou é a última bóia de Emmanuel Macron. Aquele que permanece leal até ao fim, porque sabe que o macronismo foi o culminar do projecto da sua vida. Os desertores começam a aumentar grandemente, o macronismo é cada vez menos atraente para o futuro dos políticos em França, que preparam afincadamente a próxima eleição presidencial.
Macron, a antítese mesmo do Gaullismo, tem ainda a opção de partir de forma gaullista; de dar a palavra ao povo e antecipar a eleição presidencial. Já disse que não o fará, mas ainda falta muito até 2027 e as condições podem deteriorar-se ainda mais…
E os franceses, pouco a pouco, acordam depois de uma hipnose que começou em 2017 e descobrem, pasmados, que Macron nunca foi nada mais do que uma versão rejuvenescida e viajada de François Bayrou. E que macronismo, no final das contas, nada mais é do que um sinónimo de europeísmo.