No passado dia 10 de janeiro, António Costa esclareceu os jornalistas que a contestação dos professores se devia sobretudo a “um erro de perceção” e acrescentou que “não vão ser as câmaras a contratar professores, mas os agrupamentos escolares.” Admitiu ainda que “a confusão tenha resultado de estarmos frequentemente a negociar a descentralização e este novo modelo de contratação de professores, mas são processos completamente distintos. O que passamos para as câmaras é a gestão dos equipamentos escolares.” No entanto, esta afirmação esbarra com o que vem descrito na Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/2022 de 14 de dezembro, que refere, relativamente à educação, entre outras competências, a seguinte: “Acompanhar, coordenar e apoiar a organização e funcionamento das escolas e a gestão dos respetivos recursos humanos e materiais, promovendo o desenvolvimento e consolidação da sua autonomia”.
A confusão foi criada pelo Governo e o seu ministro, que têm conduzido este processo de negociação com pouca transparência processual. Após chamar mentiroso a um dirigente sindical, que deu conta de que o ministério tinha colocado essa proposta na mesa de negociação, e afirmar que essa proposta não tinha sido feita, veio a terreno dizer que recuaria nessa mesma proposta. Alguém que entenda! Continuam por ser tornados públicos os áudios e as atas requisitadas pelos sindicatos sobre o que afinal foi ou não dito. Por uma questão de cabal esclarecimento da situação, seria conveniente que o ministro os tornasse públicos. Disse o primeiro-ministro que “Ouve-se muito que as câmaras vão passar a contratar professores, o que é falso”, acrescentando que o novo modelo de contratação, na verdade, permite, “quando não há preenchimento das vagas nos concursos, os agrupamentos (e não as câmaras) poderem contratar”. Finalizando, disse que o que “foi passado para as câmaras foi a gestão dos equipamentos escolares.” Cabe agora a mais de 100 mil professores decidir em que devem acreditar: se no que está escrito, se no que disse António Costa.
Posto isto, ficou por esclarecer quais os critérios que darão aval a uma contratação direta por parte de um agrupamento em detrimento de uma contratação através do concurso nacional, assim como também não se percebe se respeitarão a graduação ou acrescentarão critérios relacionados com perfis. De notar que hoje o sistema já assim funciona porque, quando não se consegue colocar um candidato através do concurso nacional, essa vaga passa para a contratação direta da escola. Contudo, respeitando sempre a graduação profissional. Mas, se é verdade que a intenção de alteração do modelo de contratação foi a gota que fez transbordar o copo, também é verdade que o copo já estava cheio de injustiças, que se foram acumulando ao longo dos últimos 20 anos.
O erro de perceção do ministro é considerar que os professores se manifestam apenas por esta questão. Mas, na realidade, estão à porta das escolas, com greves pelo meio, desde dia 9 de dezembro, pelo facto de não terem visto ainda nenhum avanço negocial em questões fundamentais há muito exigidas. Estou a falar, obviamente, da recuperação do tempo de serviço e respetivo reposicionamento, para graduação igual, escalão igual; revisão das tabelas remuneratórias. É inadmissível que o valor remuneratório do índice 167 (correspondente ao 1.º escalão) em 2009 fosse de 1 518,63 € e em 2022 seja de 1 536,90 €. Se tivesse sido atualizado pelo índice de preços no consumidor (Continente) seria de 1 899,76 €. (Fonte: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc).
Falo, também, da eliminação das quotas nos 5.º e 7.º escalão; da revisão do atual modelo de gestão, que, como se sabe, é apontado pela maior parte dos profissionais de educação como sendo um dos bloqueios ao desenvolvimento organizacional; da revisão do modelo de desempenho docente, adequando-o à realidade organizacional e tornando-o independente da progressão, passando a ser formativo e de caráter de desenvolvimento pessoal. Se estas questões não forem encaradas como passíveis de negociação, os professores continuarão em luta. Seria bom que os governantes abandonassem a narrativa de que não há dinheiro, porque todos os portugueses já perceberam que essa é uma narrativa falaciosa.
Se há dinheiro sem escrutínio para pavilhões transfronteiriços, para os buracos do banco ou da TAP, tem de haver para os professores. Haja decência!