Frende, aldeia com uma fonética simpática e que nos remete para a amizade. Está cravada na fronteira entre o distrito do Porto e Vila Real no concelho de Baião, dividida a meio pela estrada Nacional 108, cruzada nos seus pés pela linha de comboio e banhada pela margem direita do rio Douro. Mas não é de uma ode à amizade que se tratará este texto, antes de um grito de raiva impotente para alterar o curso do abandono a que repetidamente e sucessivos governos, votaram não só Frende, como as aldeias do interior de Portugal.

Cresci com a imagem de uma aldeia vibrante, uma comunidade alegre, orgulhosa de si, de gente dura e corajosa, moldada pela exigência do trabalho, mas gentil e generosa. Recordo-me de descer as escadas da Costeira e cruzar-me com a alegria de um “bom dia” em cada casa, lembro as caras que foram envelhecendo, amigos que se foram perdendo no tempo e vidas que a morte já tocou. Tal como a generalidade das aldeias de Portugal, Frende foi-se despindo de pessoas e com o tempo despedindo-se dos serviços públicos e privados, assegurados precisamente, porque existiam pessoas que assim o justificavam. Nas décadas de 70 a 90, Frende vivia num turbilhão, pioneira do progresso e desenvolvimento local. Tinha indústrias e serviços que asseguravam emprego e fixavam gente, escola primária e telescola até ao 6o ano, Centro de Saúde com médico de família residente e uma farmácia de serviço, um “bairro” de apartamentos para arrendamento que assegurava carências de habitação, uma sala de cinema que não existia sequer nas cidades mais próximas e que por isso enchia a cada final de semana com autênticas peregrinações para ver o último filme do Rambo, um posto de combustível e coletividades: Corpo de Escuteiros e equipas desportivas.

Nessas décadas, não existia saneamento, água canalizada e eletricidade em todas as casas, não havia TV por Cabo, ligação fibra à internet, autoestrada ou a Ponte da Ermida que liga hoje a aldeia a Resende, já na outra margem do rio Douro. Mas havia emprego, nasciam e residiam pessoas e essencialmente aí habitava um empresário: o respeitável Sr. Coelho. Sem nunca o ter conhecido, aqui lhe presto a minha homenagem, pois através da sua iniciativa privada, visão e empreendedorismo, gerou um espólio de negócios e riqueza ímpar para uma tão pequena aldeia. Faleceu ainda jovem, quando se dizia ter em marcha novos e audazes projetos industriais, cresci a ouvir relatos admiráveis dos seus feitos, a que nenhum de nós, sucedâneos e conterrâneos, esteve à altura.

A indústria e os novos projectos morreram, os empregos foram destruídos, o cinema encerrou, os jovens iniciaram o seu êxodo em busca de melhores condições de vida, o agrupamento de escuteiros extinguiu-se, as escolas fecharam, o Centro de Saúde começou a abrir apenas alguns dias até encerrar na pandemia, a farmácia reabriu noutro local, o bairro está praticamente desabitado e o futebol acabou. Ficaram as pessoas, mas agora cada vez menos e mais velhas, numa aldeia que perdeu praticamente metade da sua população entre 1981 e 2021. Hoje, quando ligo com os meus pais já não ouço: “sabes quem nasceu?”, mas antes ”sabes quem morreu?”. Lastimo a visão à distância desta morte lenta, impotente que sou para a contrariar. Mas não deixo de lamentar igualmente, que a cada encerramento de serviços na aldeia, a resposta da população tenha sido o cruzar de braços, um longo e condescendente silêncio. Por isso, aqui deixo também um apelo: não permitam que encerrem definitivamente o Centro de Saúde!

Com o referendo à Regionalização em 1998, acendeu-se uma nova esperança para as populações do interior, resignadas que estavam a pagar impostos de primeira e a serem tratadas como cidadãos de segunda, num país centralista e em que ainda se vive sobre o desígnio de “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. O “Não” haveria de ganhar e assim, quando em 2002 parti para estudar na Universidade do Porto, sabia já que era, muito provavelmente, uma despedida, porque como canta o Pedro Abrunhosa: “ninguém sai de onde tem paz”. E qual o jovem que pode ter paz sem emprego, sem a perspectiva de almejar uma réstia de futuro que não seja um contrato com um dos poucos organismos da Função Pública, que por ora ainda estão restam no concelho? As promessas de grandes obras para a região brotam a cada acto eleitoral, mas o adiamento chega inevitavelmente depois de colocado o voto, com a percepção da passagem do tempo sem novidades. Mas e tendo como exemplo a construção da Ponte da Ermida, que gerou maiores sinergias para Resende do que para Baião, se não houver capacidade de atração e fixação, as novas estradas e a eletrificação da linha do Douro significarão apenas caminhos mais rápidos para abandonar o território e um novo acelerar rumo à desertificação.

De igual modo, urge pensar-se o interior de Portugal pelo interior, numa lógica de investimento para a fixação e criação de novos empregos e não numa contínua retórica oca de construção de novas vias de comunicação que apenas servem o atravessamento do território com ligação a Espanha ou da preservação do património imaterial para “turista ver”, quando estiver enfadado da cidade. Urge reacender o debate da regionalização e a entrega do poder e destino nas mãos das novas regiões, porque só o interior do seu fado de morte se pode salvar ao almejar poder projetar o seu futuro. A única certeza porém, é que enquanto for o estado central a desenhar o desenvolvimento do interior num qualquer gabinete ministerial em Lisboa, este sangrará até ser, meramente paisagem.

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