À quarta foi de vez, José Pedro Aguiar-Branco é o novo Presidente da Assembleia da República. Faltou unanimidade e foi preciso um acordo com o diabo para viabilizar uma solução. Diabo, sim. Depois de uma maioria significativa da direita, foi preciso recorrer ao Partido Socialista. Pedro Nuno Santos consegue, então, a sua primeira vitória como líder do PS. Uma clamorosa derrota da direita que verá um Presidente da AR socialista nos últimos dois anos de governação. O “não é não” de Luís Montenegro, encheu-se de soberba e mostrou aos seus eleitores o quão intransigente o mesmo pode ser.
André Ventura foi, mais uma vez, o homem da cruz. Terá o CH de abrir caminho para uma governação do PSD? É inusitada a forma como se faz política em Portugal. No dia 10 de março, a posição do PSD teria de ser igual à vontade dos portugueses, os quais não lhes quiseram atribuir uma maioria absoluta. Assim, deveria o seu líder entrar, imediatamente, em contacto com o segundo partido mais votado à direita. Mas não o fez. Num discurso carregado de certezas e regurgitando de vaidade, assume o que vinha dizendo durante a campanha. O outrora pequeno partido não conta apenas um deputado, ou mesmo os doze da curta legislatura anterior, conta sim com cinquenta. Cinquenta deputados eleitos pelos portugueses, nunca menos meritórios ou capazes do que quaisquer outros que se dignem a gozar do título.
O problema da política prende-se numa só questão: o que é agora pode não ser daqui a dez minutos. Todavia, na matéria em questão, temos de olhar para todos os factos. Vamos, então, analisar cuidadosamente os factos na sua ordem cronológica. Num primeiro momento, André Ventura traz a público a informação de que o PSD viabilizaria a nomeação de vários dirigentes do CHEGA para vice-presidente da AR, secretário e vice-secretário. Posteriormente, dois membros da ex sociedade de comandita, conhecida também por Geringonça, criticam ambos os partidos, em especial o PSD acusando-o de mentir aos portugueses no épico “não é não”. A esquerda faz oposição à direita, nos trâmites normais. O que não é normal, nem muito menos expectável, são as declarações do líder do CDS-PP, Nuno Melo, que de forma veemente diz não existir acordo nenhum. Por um lado, temos André Ventura e Luís Montenegro, teoricamente alinhados para viabilizar o candidato do PSD e por outro um dos rostos da Aliança Democrática desajustado de ambos. O Dr. Nuno Melo, quando vem mais tarde justificar-se da sua clara falta de discernimento, é incapaz de assumir responsabilidades e desculpar-se por isso. Diz apenas que se referia ao CHEGA na qualidade de líder do CDS e, assim, não mentiu quando disse que não havia acordo. As suas declarações na íntegra desmentem-no. Numa averiguação do polígrafo de dia 27 de março, dão como falso que se tenha pronunciado na qualidade de líder do CDS. É simples português e custa-me que o mesmo nos considere incapazes de o interpretar.
Já despido de qualquer honras, André Ventura assume num vídeo que instruiu os deputados a votar favoravelmente. Contudo, o mesmo não se verificou, ou pelo menos nunca iremos saber, já que esta votação é secreta. Todos os deputados devem votar em consciência e em linha com as suas convicções. Não obstante de preferir não voltar a ter um Presidente da AR socialista, não censuro o CHEGA. Todos olhamos para o copo antes de transbordar, incapazes de olhar para todas as gotas que o foram enchendo. A disponibilidade para o diálogo que o CH vem esboçando desde o início da campanha eleitoral e a falta de vontade de aceitar os resultados por parte da AD é a prova mais elementar do responsável pela crise que talvez esteja para vir.
A democracia fará, em abril, 50 anos. O CH, como o conhecemos hoje, celebra o seu quinto aniversário também nesse mês. São 45 anos que separam os partidos fundadores da democracia do partido que mais cresceu nos últimos anos. Como o avô conservador que não compreende o neto que traz a nova namorada para casa dos seus pais, o PSD encara o CH com estranheza. Estranheza típica de uma nova ideologia, uma nova maneira de encarar a sociedade e a política na sua génese. Para o PSD deixo a seguinte consideração. Este novo partido não é necessariamente mau, mas será certamente diferente. Deve ser respeitada a vontade dos portugueses para criar condições de estabilidade e prosperidade. Depois de alcançadas as metas estabelecidas, talvez se chegue à conclusão, no fim da legislatura, de que o CH não seria o anarquista que tanto apregoavam.