De acordo com o Ministério da Finanças já houve mais pré-avisos de greves em 2019 que em todo o ano de 2018. A febre da greve é tal que no ano passado fizeram-se 260 quando no último ano do governo de Passos Coelho se ficaram por 85. Até ao presente a versão unânime sobre as greves dizia que estas se realizavam quando os governos levavam a cabo medidas de austeridade. Mas se assim é, o que está a acontecer com o governo de Costa?

“Virámos a página da austeridade.” Foi a segunda grande mentira desta legislatura. A primeira, e peço desculpa por estar sempre a bater na mesma tecla (mas as coisas são o que são) foi a que deu origem à geringonça. Mas centremo-nos na segunda que é a que tem dado “água pela barba” ao governo de esquerda. A mentira do fim da austeridade não foi dita uma vez, mas várias. Aliás, todos os dias desde a sua tomada de posse a 26 de Novembro de 2015. Por vezes, de forma tão óbvia e directa que se tornava difícil acreditar que não fosse verdade.

Só pode ter sido isso que sucedeu com os enfermeiros, os professores, os oficiais de justiça, os juízes, os magistrados do Ministério Público, os guardas prisionais, os bombeiros, os trabalhadores dos hospitais e dos departamentos de registos e notariado. A lista é imensa e atinge praticamente toda a função pública. Todos acreditaram que a austeridade era passado. A primeira leitura que se podia retirar do fenómeno das greves em catadupa é que os funcionários públicos, em ano de eleições e depois de largamente beneficiados por um governo de frente de esquerda, decidiram pedir mais. Seria a prova absoluta de que a solidariedade colectiva não existe. Eu, que até duvido que exista, creio que a razão para tanta greve não está no egoísmo de classe, mas na fúria de quem foi enganado.

É que a mentira do virar da página da austeridade foi sendo acompanhada por outra que a justificava. A terceira falsidade do governo de Costa versa sobre a redução da dívida pública. Com o PIB a crescer poucochinho, mas a crescer, e com a ajuda das cativações a dívida pública lá desceu relativamente ao PIB, escondendo que subia em termos absolutos. Assim, se, em 2015, a dívida pública face ao PIB era de 128,9%, em 2018 ficou-se pelos 125,8%. No entanto, o montante da dívida pública foi, em 2015, de 230,60 mil milhões de euros e, em 2018, de 244,93 mil milhões de euros. Costa gosta tanto de baralhar as realidades que até se deu ao luxo de corrigir Centeno quando a boca deste lhe fugiu para a verdade (minuto 58). O certo é que, acreditando-se erradamente que a dívida desceu, não há motivos para que um governo de esquerda não distribua benesses como antigamente.

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No meio de toda esta mentira retiram-se duas ironias e uma conclusão. A primeira ironia é o ser a frente de esquerda conseguir a hipotética redução da dívida pública através de cativações que ferem de morte o Estado social, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde. Se esta primeira ironia é séria e não tem graça nenhuma a segunda já tem alguma piada: a frente de esquerda apostou tudo no funcionalismo público esperando vencer as legislativas de 2019 sem dificuldades para, afinal, o caminho ficar pejado de problemas. Estivesse a direita unida e era bem provável que o PS perdesse novamente as eleições sem dó nem piedade.

Quanto à conclusão, esta não é de agora e a todos já nos devia ter posto fazer contas. O actual governo de frente de esquerda mentiu quanto aos números, à forma como arrecadou receitas e ao modo como corta na despesa porque não há dinheiro para mais. Vítor Gaspar lá tinha razão, embora dizer a verdade nem sempre seja simpático. Por vezes mentir é mais popular. Pelo menos no início enquanto a conta não chega e é só farra e fanfarronice. Já quando chega a ‘dolorosa’ é que são elas. Aí, mentir sai mais caro e o preço são as greves.

Advogado