“Lisboa é Portugal. Fora de Lisboa não há nada.”
(Os Maias, Eça de Queirós)
Portugal teve já cinco capitais. Nos primeiros séculos, os reis nem capital política/administrativa tinham. Foi no séc. XVI que, com as reformas de D. Manuel I, grande parte do país começou a ser… paisagem. Mais tarde, após o terramoto, pela mão do Marquês de Pombal, foram concentradas no Terreiro do Paço todos os ministérios e secretarias, centralizando todo o poder político, judicial e económico em Lisboa. Após a revolução liberal, passámos por várias reorganizações administrativas e cartas constitucionais, mas nada se inverteu até à presente constituição, de texto menos centralista.
Contudo palavras leva-as o vento, sendo que na prática – e não obstante o referendo à regionalização (chumbado) ou a mais recente descentralização (que há uns dias, em entrevista ao jornal Público, o responsável pela coesão europeia, Andrés Rodríguez-Pose dizia ser algo neutro, vincando que nalguns casos foi mesmo um desastre absoluto) – todo o país não só se continua a resumir a Lisboa, como esta condição se tem mesmo agudizado.
De um lado temos uma metrópole moderna, com padrão de vida europeu (infografia anexa do Eurostat), que concentra um terço da população do país e três quartos das compras públicas, e que além de vários hospitais, várias Universidades, etc., tem Metro, aeroporto, autocarros, comboios, autoestradas, barcos, elétricos, ciclovias…
Do outro, uma paisagem que, censos após censos, se mostra encaminhada para um imenso deserto humano, com níveis de vida bem abaixo da média europeia, a dezenas de kms de hospitais ou escolas e escassos serviços públicos, transportes incluídos.
Então e o tal equilíbrio geográfico, pilar do desenvolvimento sustentável? Esse, nem a bazuca lhe vale. Com efeito, novamente Lisboa protesta por mais – mais transportes, mais ecológicos, mais habitação, mais isto e mais aquilo… – e o governo faz o jeitinho, porque é daí que vêm os votos… Que se lixe a terrinha sem autocarro, os de Lisboa têm que ser menos poluentes, que se lixe Arganil há 120 anos à espera de ferrovia ou o prometido Metro da Lousã, ou as prometidas obras no IP3 que justificavam as recusas aos professores (no fim, nem uma coisa nem outra), etc., o importante é expandir o Metro em Lisboa.
O drama disto tudo é que a manta é curta, se tapamos a cabeça, destapamos os pés. Competimos cada vez mais no fundo da tabela europeia. Fomos ultrapassados até pela Roménia. E a descida à segunda divisão – já não no lote dos europeus, mas sim a concorrer com os países em desenvolvimento – está aí como destino próximo. Com efeito, a Turquia (sim esse país desértico que há duas décadas estava a 50% de distância e hoje apenas a 10%) já nos morde os calcanhares.
Nada que incomode a nossa elite dirigente – inveja diz Costa, estabilidade (nesta rota para o abismo?) pede Marcelo. E enquanto se inferniza mais e mais a vida dos poucos camelos que ainda vivem no deserto do Minho ao Algarve (é o preço dos combustíveis porque carros são luxo na cidade, dizem, esquecendo o quanto isso encarece o pão da carrinha que vai de aldeia em aldeia distribuí-lo; é o desgraçado que sem forças até cortou o mato, mas como os governantes não sabem que ele cresce de novo, é multado; é o velhote fumador que terá que fazer 15 ou 20 km para comprar tabaco; é o telemóvel que não tem rede apesar da cobrança de taxa audiovisual, etc., etc…) lá se vão abrindo buracos para facilitar a mobilidade da metrópole… Para a grande cidade milhões, para o deserto tostões.
Por cúmulo, sabemos agora que os buracos têm… ratos. E os ratos roem os sacos de dinheiro. Paciência, se há derrapagem no Metro de 500 milhões – e se anuncia isto com a ligeireza de quem fala em 5 ou 10 euros –, logo temos a garantia que a perda está coberta. Está coberta? Pois claro que está: pagam os mesmos de sempre, incluindo o resineiro transmontano ou o pastor alentejano!
Como também explicou na sua entrevista Rodríguez-Pose: “O desenvolvimento é como uma mesa. Se só tens uma perna ou duas, é provável que não se aguente”. E, de facto, não nos estamos a aguentar…