Foi entregue pelo Governo, na passada segunda-feira, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado para 2019. São várias a medidas apresentadas, algumas com efeito surpresa, outras nem tanto.

No Ensino Superior, o grande destaque mediático é a redução do valor da propina. No próximo ano letivo (2019/2020), a propina máxima não poderá ultrapassar os 856€, o que representa uma redução de 212€ no valor máximo que pode ser cobrado aos estudantes de licenciatura ou mestrado integrado. É a primeira redução da propina desde há vários anos a esta parte, e por isso, não posso deixar de demonstrar o meu agrado quando vejo tal medida proposta no OE2019.

Contudo, infelizmente, nem tudo são boas notícias. Os estudantes, os reitores, presidentes de Politécnicos, bem como a opinião pública, têm alertado nos últimos tempos, para aquele que é neste momento o Cabo das Tormentas no que diz respeito ao acesso e frequência do Ensino Superior em Portugal: o alojamento dos estudantes. Ter um teto para dormir a um preço razoável é hoje o maior desafio, principalmente nas grandes cidades.

São vários os motivos: seja ausência completa de construção de residências, falta de manutenção das mesmas e excessiva confiança no mercado privado para resolver o assunto. No Porto, 100 das 1300 camas disponíveis estão interditas ou ainda se fecha uma residência por falta de manutenção. É inacreditável o estado a que se chegou. Esta é uma situação que se tornou insustentável devido aos preços exorbitantes dos quartos para arrendar. Este problema continua absolutamente esquecido na proposta do Orçamento do Estado.

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Vejam a anedota: o Governo cabimentar 160 000€ para o programa EXARP (um programa que pretende dar a volta às Praxes Académicas) e 0,00€ para solucionar o problema do alojamento! E bem a propósito, fica o dado: se utilizássemos os 50 milhões de euros que a redução do valor da propina pode vir a custar aos cofres do Estado (sim, porque nada garante que esta verba referente às propinas, mesmo que esteja cabimentada em sede de Orçamento do Estado, fique cativa, tal como as restantes verbas que dizem respeito ao aumento do salário mínimo nacional e do desbloqueio das progressões nas carreiras) na construção e reabilitação de residências, este valor daria quase para duplicar a oferta disponível em todo o país (12000 camas), mitigando um problema de hoje e investindo numa solução de longo prazo.

Ainda assim, existem alguns perigos com a redução do valor da propina, que, se não forem acautelados, podem tornar “pior a emenda do que o soneto”. Para além de um possível aumento das propinas nos mestrados e doutoramentos (não há limitação imposta pela lei, ficando a estipulação do valor a cobrar, inteiramente ao cargo da Instituições) para compensar a perda de receita através dos estudantes de licenciatura, em boa verdade, ainda podemos mesmo prejudicar os mais carenciados, caso esta medida não seja acompanhada de uma atualização do regulamento de atribuição de bolsas de estudo (RABEEES). No que toca a Ação Social, contabilizando o atual número de estudantes bolseiros em Portugal, o Estado poupa diretamente 15 milhões de euros, dado que o valor da propina é um dos elementos considerado na fórmula de cálculo das bolsas. Aliás, com a diminuição do valor da propina, baixa também o teto máximo (cerca de 3%) do total de rendimentos do agregado familiar para que os seus dependentes possam continuar a ser beneficiários de uma bolsa de estudo. Ou seja, para além de se “poupar” dinheiro em cada bolsa que é atribuída (a bolsa mínima é igual ao valor da propina), ainda pode haver um maior encaixe financeiro para o Estado, porque muitos estudantes recebem o valor mínimo de bolsa e podem mesmo deixar de a receber.

Espero que este presente dado aos estudantes, não venha “infetado” com a bactéria do populismo e do eleitoralismo. Caso esta seja mais uma medida avulsa, que não venha acompanhada de uma verdadeira estratégia para o setor, estamos perante um Governo e os partidos que o suportam, que privilegiam uma decisão política e ideológica ao invés de decisões que resolvam os reais problemas que a sociedade hoje enfrenta, utilizando o Ensino Superior como instrumento eleitoral para mais um jogo de eleições que o ano 2019 tem na agenda.

Enquanto isso, os estudantes ficam a aguardar o cumprimento da Lei do OE2018, que previa a criação de uma linha de financiamento para construção de residências estudantis; a atualização do complemento de alojamento para bolseiros que não tenham uma cama nas residências; e a inclusão neste OE2019 de verbas para melhorar o acesso à habitação por partes dos jovens e dos estudantes. Já para não falar da harmonização das taxas e emolumentos que adivinho que será um dos instrumentos para recuperar as verbas “perdidas” da redução das propinas…

Resta saber se esta alteração vai ser o tapete mágico de Aladino que permitirá fazer o Ensino Superior voar, ou se vai ser apenas, uma vez mais, o Governo a tirar o tapete aos estudantes. Não serão 100 ou 200 euros a menos por ano que vão solucionar o problema de quem não consegue encontrar quartos onde pague menos de 400 euros por mês.

Presidente da Federação Académica do Porto