Há um mês o Supremo Tribunal dos Estados Unidos aceitou ouvir um recurso de uma decisão de 1984, muitas vezes referida como caso Chevron. Estava em causa o controlo de emissões de poluentes, e considerou-se então que, se a lei não era clara sobre a forma de o fazer, uma agência reguladora poderia regular com base numa construção admissível do que estava na lei. Generalizando, na presença de ambiguidades legais sobre a forma de resolução de um problema, não seria necessária uma clarificação do legislador para regular, bastando para o efeito uma interpretação razoável, feita pela agência reguladora, daquilo que seria a vontade do legislador e, a seguir, a tomada de medidas, por essa agência, em conformidade com essa interpretação.
A esta decisão de 1984 atribui-se um grande aumento do poder discricionário das agências reguladoras americanas, nas décadas seguintes. É este aumento de poder discricionário que está agora a ser reavaliado. Quase toda a gente espera que o Tribunal o reduza, devolvendo ao legislador o papel de dizer aquilo que quer, concentrando-se a agência reguladora no exercício do seu poder administrativo de atuar na medida do que o legislador estabeleceu. Aliás, há cerca de um ano o mesmo Tribunal decidiu precisamente neste sentido, entendendo que a interpretação que a agência de proteção ambiental fazia dos seus poderes de regulação das emissões de carbono no sistema de produção de energia elétrica ia além daquilo que o poder legislativo tinha determinado.
Um acontecimento nos Estados Unidos, não tem de levar a acontecimento semelhante em Portugal, e isto é válido na regulação ou na música pop. Há casos semelhantes em Portugal, de ambiguidade quanto ao âmbito da delegação de poderes nas entidades administrativas independentes? Provavelmente. Pode ser que sejam resolvidos por via judicial, mas se o legislador os clarificasse sempre era melhor. Mas existe uma outra pergunta relacionada com esta, talvez mais importante, e que não passa pelos tribunais. As delegações de poderes nas entidades reguladoras independentes, por mais bem definidas que estejam, são as adequadas? Serão excessivas? Insuficientes? E responder a estas perguntas supõe que se responda ainda a outra: por que motivo se deve optar, em determinadas circunstâncias pela regulação independente e noutras não? Ao contrário do que às vezes parece ser dito, a regulação independente não é um dado da natureza, nem um estádio superior da evolução do Estado no capitalismo moderno! Deve existir na medida em que seja a forma mais adequada para o Estado resolver problemas bem definidos, e com os poderes necessários e suficientes para o efeito: nem mais, nem menos.
Há 10 anos, na discussão da Lei-Quadro das entidades administrativas independentes, o nosso legislador deu a ideia de que se preocupava com estes assuntos, mas acabou por se centrar na delimitação das atribuições dos reguladores em questões financeiras e administrativas, e não tanto nos poderes de regulação propriamente ditos, afinal os mais importantes para os mercados regulados.
Julgo que tem interesse voltar ao tema, para mais tendo em conta as transformações tecnológicas e económicas, entretanto verificadas. Basta pensar na evolução da economia digital. Faz sentido ver se as delegações de poderes feitas no passado ainda se justificam, se devem ser eliminadas, reduzidas ou aumentadas. E até, sendo o caso, manter o espírito aberto para avaliar o interesse de constituir novas entidades independentes. Não são coisas que se façam num dia, nem de uma vez por todas. Mas não é má ideia ir fazendo qualquer coisa.