Prever o futuro é uma tarefa arriscada. O imobiliário é um setor dinâmico e sempre em evolução. Vai muito além dos tijolos e cimento. É influenciado por vários fatores, incluindo tendências económicas, avanços tecnológicos ou alterações demográficas, não só nacionais, como globais. Por isso, prever uma rota para o mercado nos próximos dez anos é um desafio com “D” grande. Mas não é impossível. Há várias tendências-chave que nos ajudam a antecipar o que o futuro nos reserva para as cidades do futuro. O que se constrói, como se constrói, que uso damos e, principalmente, que resposta se pode dar à procura.

Comecemos pela integração tecnológica e a Inteligência Artificial (IA). Uma das áreas de maior mudança vai continuar a ser a integração da tecnologia na forma como se constrói, ocupa, gere, vende e compra imóveis ou de que forma a IA vai influenciar o sector. A tecnologia blockchain poderá acelerar as transações de imóveis, aumentando a transparência e a segurança do processo e a IA já está a ser usada na análise e estruturação de dados. Em Portugal temos uma excelente adesão (e curiosidade) às novas tecnologias e acredito que esta será uma tendência muito marcante nos próximos dez anos no setor.

Outra tendência importante, e especialmente desafiante em Portugal, é o debate urbano vs periferia. A escolha que, enquanto promotores, investidores e consumidores temos de fazer entre áreas urbanas e periferias vai continuar a modelar o mercado imobiliário. Este debate tem sido especialmente visível em Portugal nos últimos dois a três anos, com o aumento dos preços da habitação nas grandes cidades e a relocalização de projetos e pessoas para zonas num raio de influência cada vez mais alargado. A busca por valores mais acessíveis é determinante neste movimento, mas os ganhos em termos de qualidade de vida serão cada vez mais um fator essencial para a escolha.

Esta procura por zonas fora dos centros urbanos surgiu em força com a pandemia, sendo uma nova tendência de consumo, se assim lhe quisermos chamar, mas veio para ficar e não se esgota na questão de maior acessibilidade de preço. Na próxima década continuaremos a assistir a este movimento, à medida que as pessoas procuram estilos de vida mais calmos e saudáveis, enquanto as próprias soluções de mobilidade são melhoradas e permitem acessos mais rápidos ao centro da cidade, tocando num ponto-chave, que é o commuting (tempo de deslocação casa-trabalho).

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A sustentabilidade e os critérios ESG (indicadores ambientais, sociais e de governação corporativa) vão também continuar a marcar as transformações do setor. O crescente foco na sustentabilidade ambiental e alterações climáticas impactarão cada vez mais as escolhas que fazemos no imobiliário. Os compradores e ocupantes vão preferir cada vez mais imóveis eco-friendly, eficientes em termos energéticos e com uma menor pegada ecológica. Sendo os edifícios uma das mais importantes fontes de emissão de CO2, a caminhada para um parque imobiliário mais verde e amigo do ambiente é importante para combatermos as alterações climáticas e promovermos estilos de vida mais sustentáveis.

Diria que as certificações internacionais BREAM, LEED e WELL (sistemas de avaliação e certificação de sustentabilidade para edifícios, que medem o desempenho em diferentes aspetos ambientais, sociais e económicos) continuarão a ser uma porta essencial para quantificar, de forma eficaz, o valor de determinado ativo, assim como a relação entre edifícios e os seus ocupantes, permitindo às empresas reportar métricas precisas. E formas alternativas de construção, que integrarão também o futuro do setor, especificamente na construção: a modelação BIM (Modelagem de Informação da Construção), a pré-fabricação e a reciclagem de materiais são alguns exemplos que poderão ter um maior crescimento no caminho para uma menor pegada carbónica.

Temos feito importantes avanços em sustentabilidade em Portugal, especialmente em setores como os escritórios e o retalho, mas temos ainda muito caminho a percorrer e esta será, sem dúvida, uma área de desafios no futuro.

O trabalho híbrido ou remoto vai continuar também a marcar o imobiliário. É um novo modelo que está em consolidação e que muda a forma como usamos os escritórios e como abordamos a nossa casa. A par de escritórios menos povoados, com maior recurso a áreas sociais e de encontro, teremos casas onde a existência de um espaço de trabalho e boa acessibilidade em termos de redes de comunicação serão cada vez mais valorizados, em detrimento da centralidade em termos de localização.

As alterações demográficas serão também muito importantes. Além da emergência da geração Z no mercado laboral, em Portugal destacam-se o envelhecimento da população e o crescimento da comunidade de residentes estrangeiros, sendo, estes, fatores que vão impactar o tipo de imóveis procurados. As residências especializadas para seniores e a habitação para arrendamento terão uma crescente procura, enquanto se consolidam os setores de habitação partilhada (co-living) nas suas diversas vertentes.

Nota de destaque especial para a necessidade de o nosso país apostar no arrendamento e criar condições para o desenvolvimento de projetos de raiz para este tipo de ocupação. Esse é, na minha perspetiva, um dos maiores desafios que enfrentamos para o futuro face às mudanças demográficas, num mercado onde pura e simplesmente não existe oferta para arrendar. É um setor pulverizado, dominado pelos (poucos) proprietários individuais e onde atualmente não há condições para escalar a oferta.

Por último, os fatores económicos e estabilidade política. O crescimento económico e a estabilidade dos fatores macroeconómicos continuam a ser fundamentais para a evolução do mercado imobiliário. As taxas de juro, o desemprego e a inflação vão continuar a influenciar os valores dos imóveis e as decisões de investimento. Além disso, é essencial estabilidade política. Especial alerta neste campo, onde nos últimos anos temos sido brindados com muita instabilidade, gerando incerteza e travando ainda mais a criação já lenta de nova oferta imobiliária. Um dos principais problemas que temos em Portugal atualmente é a falta de oferta em praticamente todos os setores e a instabilidade política e legislativa-fiscal tem contribuído para que o investimento em nova oferta trave e fique muito aquém do desejado.

O mercado imobiliário, na próxima década, será moldado por uma interação complexa de avanços tecnológicos, mudanças sociais e fatores económicos. Embora seja difícil prever resultados específicos, estas são hoje as tendências que nos podem ajudar a navegar no futuro deste setor. Para Portugal, um aviso adicional importante à navegação: temos de criar condições para que a oferta de imóveis cresça, mas cresça com escala. Precisamos de mais casas, mais escritórios, mais armazéns. Esse é, provavelmente, o nosso maior desafio a médio e longo prazo.

Patrícia Barão é Chair do Comité Executivo e Head of Residential na JLL Portugal. É Vice-Presidente da APEMIP e Fundadora e Diretora da WIRE – Women in Real Estate Portugal. Coordena o curso Executivo de Consultoria Imobiliária no ISEG, onde é também professora no Curso de Gestão Imobiliária de Luxo. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.