Na véspera do Parlamento Europeu votar a nova Comissão Europeia, não será demais relembrar que a União Europeia (UE) encontra-se num momento crítico de redefinição da sua política de segurança e defesa. A pandemia de COVID-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia e o aumento de ameaças híbridas – ciberataques, manipulação de informação e sabotagem de infraestruturas críticas – expuseram vulnerabilidades significativas no sistema de segurança e defesa em variados setores da sociedade.

O relatório apresentado por Sauli Niinistö, antigo Presidente da Finlândia e atual conselheiro especial da Comissão Europeia, propõe uma transformação fundamental na estratégia de segurança e defesa da UE. No centro desta proposta está o conceito de “preparedness” – uma preparação e prevenção abrangente que integra tanto aspetos militares quanto civis da segurança e defesa nacional. As recomendações do relatório são claras: a UE deve assumir a segurança como um bem público e canalizar recursos de forma sustentada e continuada para fortalecer as suas capacidades de resposta a crises. Esta visão exige uma transformação profunda, tanto na mentalidade como nas prioridades orçamentais dos Estados-Membros.

A ideia que a segurança é um bem público implica que cada cidadão e cada Estado-Membro, tenha um papel ativo na sua proteção. Num estudo recente, apenas 32% dos europeus indicaram estar dispostos a defender o seu país em caso de conflito, um número consideravelmente baixo. Niinistö sugere que a participação ativa dos cidadãos na prevenção e preparação para crises é crucial para a resiliência social. É um conceito que transcende as fronteiras nacionais. Contudo, este princípio fundamental de solidariedade nem sempre é expresso nas políticas nacionais de segurança e defesa, especialmente nos países que, tradicionalmente, dependem das garantias de segurança e defesa de parceiros externos, como a NATO.

Niinistö sublinha a importância de a Europa adotar uma postura de “segurança única”. Esta visão assenta no princípio de que as sociedades europeias são interdependentes, e qualquer fraqueza numa região afeta o conjunto da UE. Para tal, precisamos de garantir recursos para criar uma capacidade de segurança e defesa europeia que não dependa, exclusivamente, de parceiros externos, mas que se articule com estes, de forma estratégica.

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Uma das principais recomendações do relatório é a necessidade de investimento significativo em capacidades de resposta a crises e no reforço das infraestruturas essenciais. Esta “preparedness” requer um esforço orçamental contínuo, que deve ir além das despesas militares, incluindo setores civis fundamentais para manter a sociedade operacional durante uma crise, como a energia, a saúde, os transportes e as telecomunicações. Esta abordagem integrada sublinha que não basta estar preparado para uma ameaça militar direta; é essencial garantir a resiliência das infraestruturas e serviços públicos, preparando a sociedade para resistir a choques de múltiplas origens. É precisamente nesta dimensão que a UE deve reconhecer o impacto de décadas de sub-investimento na segurança e defesa. De facto, Niinistö defende, neste relatório, que a alocação de recursos para a segurança e defesa deveria atingir pelo menos 20% do orçamento total da União no próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), e ser uma das prioridades horizontais a todas as rúbricas orçamentais.

Outro ponto interessante do relatório de Niinistö é a recomendação para uma coordenação eficaz entre os setores militar e civil, essencial para lidar com as ameaças híbridas. A guerra na Ucrânia demonstrou que manter os serviços essenciais operacionais em tempos de conflito é tão importante quanto reforçar a capacidade militar. Alguns países, como Portugal, já possuem, atualmente, unidades militares com estas valências, de que é um bom exemplo, o RAME – Regimento de Apoio Militar de Emergência. A criação de um Mecanismo Europeu de Defesa Civil surge como uma proposta de grande relevo, pois permitiria uma resposta coordenada entre autoridades militares e civis de vários países, garantindo que a resposta europeia a crises seja tão ágil e eficaz quanto possível.

Por fim, a pandemia de COVID-19 provou a importância da colaboração com o setor privado. As parcerias público-privadas foram essenciais na produção e distribuição de vacinas e Niinistö argumenta que esta lição deve ser expandida para outras áreas de preparação para crises. A estratégia europeia de preparação deve integrar o setor privado, principalmente em indústrias vitais como a energia, saúde, e transportes, garantindo reservas estratégicas e cadeias de abastecimento seguras.

A nomeação de um Comissário Europeu para a Defesa, representa uma oportunidade única para consolidar estas mudanças.  Como eurodeputado, apelo para que reconheça a gravidade dos desafios que enfrentamos. Num mundo onde a mudança é a única constante, a capacidade de adaptação determina a fronteira entre prosperar, sobreviver ou morrer. A prosperidade do amanhã pertencerá àqueles que hoje tiverem a visão de se prepararem adequadamente. Uma Europa verdadeiramente resiliente e preparada não é apenas um objetivo estratégico – é o alicerce fundamental sobre o qual construiremos o nosso futuro coletivo.