Para responder aos vários pedidos de remodelação no Governo – não só da oposição, mas também da sociedade civil –, António Costa fez saber, através de entrevista ao Expresso, que sente no Conselho de Ministros “uma enorme energia, vontade e entusiasmo”, agora que já começaram a chegar os milhões da bazuca europeia, que é aquilo que vai ajudar a esconder as fragilidades deste Executivo. Acrescentou ainda o Primeiro-Ministro, que está seguro de “que todos vão dar o seu melhor e estar nos tais 200%”.

Há muito que é sussurrado nos corredores de São Bento e comentado nas televisões em horário nobre que são vários os ministros com vontade de sair e que já terão, inclusivamente, feito saber ao Primeiro-Ministro tal intenção. É, pois, de estranhar esta confiança desmesurada, mas a verdade é que António Costa está apenas a fazer o seu papel: desmentir a remodelação até que ela aconteça.

O mais vocal no pedido de saída do Governo foi Augusto Santos Silva, também numa entrevista ao Expresso, a quem disse esperar que o PS o liberte das responsabilidades governativas para poder terminar a carreira a leccionar na Faculdade de Economia do Porto.

A situação de Eduardo Cabrita é alvo de teorias e comentada amiúde nas redes sociais e programas de comentário sobre que tipo de chantagem fará sobre António Costa que obriga o Primeiro-Ministro a mantê-lo no Governo, mas poucos saberão que o Ministro da Administração Interna já pediu várias vezes para sair do Governo… sem sucesso. Ultimamente, a secretária de Estado da Administração Interna, Patrícia Gaspar, tem aparecido mais, enquanto Eduardo Cabrita tem estado mais discreto, o que pode servir para antecipar uma alteração no protagonista do ministério, mas só o tempo dirá.

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Também Marta Temido, obviamente desgastada de quase um ano e meio de combate à pandemia, está na calha para ser substituída. O ministro da Educação idem, depois dos falhanços na condução do programa Estudo em Casa e na compra dos computadores para a telescola. E Francisca van Dunem, por sua vez protagonista da polémica nomeação do procurador europeu e a nomeação de vários magistrados para o seu ministério, entre outros ministros.

Sendo conhecido tamanho desgaste nos membros do Governo, torna-se difícil acreditar nesta proclamada onda de energia e vontade para enfrentar quase mais dois anos de legislatura. António Costa diz não vislumbrar “no horizonte” qualquer remodelação, algo que se enquadra bem no discurso de alguém que, por definição, prefere governar à vista.

O rol de justificações não parece ter fim. Primeiro, recusou-se a remodelar o Governo enquanto Portugal detinha a presidência do Conselho da União Europeia, dada a consequente imagem de fragilidade que tal operação transmitiria. Agora nada se altera até às autárquicas. Depois, teremos o Orçamento do Estado, o que obviamente não permite alterações no Governo.

Ultrapassado o momento de aprovação do Orçamento do Estado podemos apenas aguardar mais e mais motivos para evitar a remodelação que António Costa sabe que tem de fazer no Governo, mas não quer. Até ao dia em que inevitavelmente acabará por acontecer. E não vale a pena pressionar António Costa para remodelar o Governo. O Primeiro-Ministro não quer e as esquerdas que o apoiam também não fazem muita força para que isso aconteça.

O que justifica, então, esta aversão a remodelar o Governo?

Acima de tudo, o miserável estado da oposição em Portugal. O líder do principal partido da oposição tem-se demitido ao longo da legislatura de o fazer, argumentando estar a cumprir um dever de patriotismo que apenas é justificado na cabeça do presidente do PSD e no Governo, que muito agradece.

Rui Rio escolheu tornar-se numa espécie de oposição colaboracionista do Governo, contribuindo para esboroar o dever de escrutínio do Parlamento ao trabalho do Executivo, com a redução dos debates quinzenais, sempre à procura de agradar a António Costa e de um consenso para as reformas que entende serem necessárias ao país, recebendo como resposta o desdém e a indiferença do Primeiro-Ministro.

Pedro Nuno Santos já tinha dado o mote: se o Partido Socialista bem entender, a direita nunca mais regressará ao poder em Portugal. Na mesma toada, António Costa acrescentou que o dia em que o seu governo precisar da direita para governar será o dia em que se demitirá.

Não se entende, portanto, esta avidez de Rui Rio em agradar a António Costa, como se não houvesse outros caminhos para chegar ao poder. E não, esta última frase não sugere que esse caminho seja através da união de forças com o Chega. O caminho do Bloco Central será o mais fácil para Rui Rio, que não verá com bons olhos a construção de uma frente de direita como a que já aqui propusemos, ele que se imagina líder de um partido de centro-esquerda.

Consequência do estado da oposição no Parlamento é a percepção de que não há alternativa a este Governo. Ou seja, que um governo de direita não faria melhor ou, quanto muito, diferente deste. E, mal por mal, deixa-se estar como está. Por isso é que o PS se tem mantido acima dos 40% nas sondagens – ainda assim, longe da tão ambicionada maioria absoluta –, isto apesar dos casos e casinhos de que Rui Rio tanto se queixa no Twitter. É que o eleitorado tem consciência de que estes casos e casinhos não seriam assim tão diferentes se fosse o PSD que estivesse no Governo. Daí que, lá está, mal por mal, deixa-se estar como está.

Finalmente, a falta de quadros competentes e capazes que se mostrem disponíveis para ingressar no Governo. Não há grande incentivo para trazer os mais capazes da sociedade civil para a vida pública.

Os políticos são, regra geral, mal pagos – a discussão se devem ser aumentados fica para outra altura – e quem é que, no seu perfeito juízo, aceitaria abdicar do seu trabalho num privado, com uma vida estável, boa remuneração e boas condições, por um cargo num Governo que daqui a um ano e meio termina funções e liderado por um Primeiro-Ministro que não sabe se daqui a dois anos continuará no cargo?

Nestas condições, quem aceitaria ser ministro de um Governo desgastado, a braços com uma pandemia e cujo único combustível é receber uns quantos milhões da Europa que os Portugueses acreditam, na sua maioria, que vão ser mal geridos?