“Coitado do CDS. É um partido náufrago. Estamos aqui para salvar os Portugueses, não podemos ajudar um partido náufrago”. Esta é apenas mais uma tirada do inenarrável Eduardo Cabrita, o Ministro Amigo e Inimputável de António Costa.

Ninguém compreende esta inimputabilidade de que goza Eduardo Cabrita. Poucos devem ser os que, dentro do próprio Governo, conseguem entender a cobertura que António Costa tem dado ao MAI.

É longo o rol de disparates de Eduardo Cabrita e esta é uma lista claramente não exaustiva:

  1. A trapalhada das golas anti-fumo que, afinal, eram inflamáveis, porque a Protecção Civil recusou fazê-las com material ignífugo, não inflamável, por serem mais caras, e que foram encomendadas, sem surpresa, a uma empresa do marido de uma autarca do Partido Socialista;
  2. Amorte de Ihor Homeniuk às mãos do Estado (SEF), um cidadão ucraniano que estava à guarda do Estado português, e, depois de meses de inacção, a proclamação arrogante de que ninguém fez mais pelos Direitos Humanos do que o seu ministério;
  3. Mais um desastre com o SIRESP (para o qual fomos alertados pela Altice!) e o contrato que terminou sem qualquer renegociação;
  4. A falta de preparação no voto antecipado nas eleições presidenciais de Janeiro deste ano, quando Portugal atravessava a pior fase da pandemia e as pessoas se aglomeraram, sem distanciamento nem segurança, para poderem exercer o direito de voto;
  5. Sem esquecer a mais recente requisição civil no Zmar para albergar trabalhadores imigrantes ilegais, cuja situação precária já era do conhecimento do Governo que, em Março do ano passado, considerava exemplar a integração dos migrantes no concelho de Odemira;
  6. E mais recentemente, a festa do campeonato do Sporting, em que não é ainda claro quem autorizou os festejos, em que moldes e com que meios, e cuja total falta de preparação poderá vir a resultar no impensável retrocesso dos esforços de combate à pandemia.

Mas regressemos à infeliz tirada de Cabrita sobre o CDS. Não imagina o nosso MAI que ajudar o CDS – o tal partido a afundar-se nas sondagens, conseguindo, de vez em quando, vir à tona e recuperar o fôlego – pode ser um primeiro passo para ajudar a conter a ameaça da extrema-direita em Portugal.

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A responsabilidade do crescimento da extrema-direita em Portugal não é exclusiva da direita. Também a esquerda tem de ser chamada a este combate. A quota-parte de uma e outra não são iguais, claramente, mas ninguém está isento de culpas. Esta ausência de planeamento estratégico no longo prazo é uma maleita que assola a classe política no seu todo, habituada a planear e a governar para o imediato, em função de ciclos eleitorais.

Falta planeamento estratégico no que toca à salvaguarda e defesa da democracia. À esquerda e à direita ninguém quer pensar nisto. A palavra de ordem é atacar, preparar as tácticas para conseguir agarrar votos. Estão mais preocupados em contar armas, em cavar ainda mais fundo as trincheiras que os separam, enquanto atiram responsabilidades de um lado para o outro, alheios à verdadeira ameaça.

Ninguém, da esquerda à direita, parece ainda ter conseguido (ou querido) entender que André Ventura cresce porque, muito à semelhança de Donald Trump em 2016, dá voz a problemas que existem e estão enraizados na sociedade portuguesa.

A tirada do “Eu digo em voz alta o que as pessoas dizem nos cafés” não é mera retórica. É factual. André Ventura não inventou o ódio xenófobo e racial em Portugal. Apenas lhe deu palco e amplificou-o num país que prefere atirar dinheiro aos problemas, à espera que se resolvam por si mesmos, em vez de procurar soluções práticas, reais e duradouras.

Limitar o crescimento do Chega e da sua narrativa em Portugal depende primariamente de consolidar uma direita e torná-la forte. Ou que, pelo menos, faça mais do que aquilo que tem feito.

Um PSD invertebrado e inebriado pela sede de ir ao pote

O PSD de Rui Rio é, claramente e sem sombra de dúvida, o maior responsável à direita. Ao invés de assumir o papel de partido fundador da democracia, que é; de maior partido da direita; e líder da oposição em Portugal, prefere ir piscando o olho à extrema-direita, alimentando a esperança de que o partido de André Ventura modere o seu extremismo.

Foi em Julho do ano passado que Rui Rio admitiu conversar com o Chega para coligações eleitorais se André Ventura adoptasse um discurso mais moderado. A verdade é que, quase um ano mais tarde, moderação nem vê-la. Esta esperança de Rui Rio na moderação de Ventura é ingénua. Mais não é do que um devaneio utópico de alguém que tem demasiada sede para ir ao pote.

Rui Rio deu espaço a André Ventura para que se arrogasse o papel de verdadeiro dono da direita e definisse uma identidade homogénea e inflexível para o seu espaço político: só é de direita quem é contra os ciganos, quem defende a castração química para pedófilos, a prisão perpétua, as carreiras para os militares e os subsídios para os polícias. Quem não defende isto não é de direita. Parece ser agora claro o porquê da escolha de Suzana Garcia como candidata autárquica.

Ao evitar posicionar-se como um partido assumidamente de centro-direita, com uma matriz social-democrata, o PSD está a deixar que o Chega de André Ventura cresça para o espaço que Rui Rio claramente não quer ocupar.

A matemática eleitoral do PSD está difícil de calcular. Não descola nas sondagens. O argumento de que Rui Rio, em campanha eleitoral, consegue recuperar da desvantagem para o PS é válido. Mas dá que pensar: o líder do principal partido da oposição e principal pretendente ao cargo de Primeiro-Ministro só se dá ao trabalho de ser verdadeira oposição nos dois ou três meses de campanha eleitoral, quando tem de facto alguma coisa a ganhar. Os Portugueses não merecem, durante os quatro anos de mandato para que é eleito, que se dê ao trabalho de ser oposição. É mais divertido atirar tiradas sarcásticas, que nos enchem de vergonha alheia, no Twitter. É a oposição que temos.

O PS sozinho vale mais do que a direita que seria aceitável apoiar numa coligação (deixando de fora, obviamente e logo à partida, o Chega), o que não augura um bom futuro para o líder social-democrata e, no fim das contas, para a democracia portuguesa. Esta leviandade na total subversão de valores a troco de um regresso ao poder – seja em que termos for – não parece incomodar Rui Rio, que está, na realidade, a jogar em dois tabuleiros.

Num tabuleiro, joga com a oposição inexistente ao Governo de António Costa, naquele nacional-parolismo de que as críticas em tempos de pandemia são pouco patrióticas, antecipando um governo de bloco central. No outro, com o namoro com o Chega de André Ventura, na esperança de que as esquerdas não se entendam e possa, desta maneira, chegar ao poder. Não é por acaso que André Ventura já traça cenários de uma maioria de direita e diz desavergonhadamente que só aceitará fazer parte de um Governo do PSD se for vice-Primeiro-Ministro.

O que pensará disto Francisco Rodrigues dos Santos?

A deriva do CDS que poderá terminar em naufrágio

Utilizando a terminologia adoptada pelo nosso Ministro Amigo e Inimputável, o CDS é, de facto, actualmente um barco a afundar, com o capitão a navegar alegremente, como se nada se passasse, enquanto a tripulação tenta desesperadamente corrigir o rumo.

A sabedoria popular diz-nos que os ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio e é ao CDS que o Chega vai buscar mais militantes, apoio e intenções de voto. Não surpreende, por isso, que altos quadros centristas tenham vindo a assumir posições que nos fazem franzir o sobrolho e lamentar pelo futuro do partido. Posições de quem tenta reconquistar o eleitorado que o Chega lhes está a roubar, sem querer perceber que, cruzada a linha vermelha que estão dispostos a ultrapassar pela sobrevivência política, estão chegados ao ponto de rubicão.

É que, entre o original Chega e a cópia CDS, os fascistas, racistas e xenófobos que grassam por essas redes sociais, fóruns e caixas de comentários fora irão sempre preferir o original. E, com estas tentativas de emulação do Chega dentro do CDS, estão apenas a atirar borda fora os bons quadros, aqueles que seriam fundamentais para fazer do CDS um partido forte e, a posteriori, uma frente de direita unida a que a Iniciativa Liberal poderia facilmente juntar-se.

Iniciativa Liberal: de um bestial a uma besta

Foi o inesperado Tiago Mayan quem mostrou, nas presidenciais, o caminho para combater o extremismo do Chega. No debate presidencial com André Ventura, o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal mostrou as diferenças da direita democrática (a que tantos colam a Iniciativa Liberal) para a direita extremada de André Ventura: sem mandar deputadas para o seu país, sem aceitar ataques a minorias étnicas, sem recusar a entrada aos tantos imigrantes que ajudam a construir Portugal. Mostrou que é possível ser de direita, humanista e defensor dos direitos imigrantes.

Ao escolher atacar as ideias abjectas que defende, em vez de pessoalizar os ataques, Tiago Mayan mostrou que é possível combater André Ventura. Não cometeu um dos erros que está a custar votos ao PSD e a afundar o CDS: ir ao nicho de Ventura para conquistar terreno. Algo que Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, à direita, parecem não ter ainda compreendido.

Torna-se, pois, difícil entender o apoio dado pelo partido a Fernando Figueiredo na luta autárquica em Viseu. Um candidato que se apresenta como liberal, mas com um discurso mais ao estilo do Chega, onde tiradas cheias de ódio, racismo e misoginia se aproveitam de uma liberdade de expressão levada ao limite para tentar justificar o inaceitável.

Mas, uma vez mais, a responsabilidade não cabe só a um lado da barricada quando se trata da salvaguarda de uma democracia que é tão nova e já tão frágil. A esquerda divide também responsabilidades, embora a quota-parte que lhe cabe não seja tão grande como à direita.

Uma esquerda dispersa e sem estratégia

À esquerda, porque decide personalizar os ataques, em vez de ter os olhos postos no futuro da estabilidade democrática que o André Ventura põe em causa. Há uma teimosia cabal em aceitar que a estratégia não está a resultar. Ao colocar o Chega no centro do debate, estende o tapete a André Ventura e companhia para a continuada e dissimulada campanha de crescimento da extrema-direita em Portugal.

Como se pôde ver durante a era Trump, a normalização de discursos extremados é um processo rápido, eficaz e muito difícil de travar. A demagogia como arma do anti-sistema está de boa saúde e Ventura recomenda. Deveria caber também à esquerda não contribuir para a criação de sucessivos vácuos mediáticos onde o Chega vai encontrando o combustível para incendiar os ânimos e inflamar as hostes.

Ao trazer o Bloco de Esquerda e o PCP para o “arco da governação”, tirando-os do “voto de protesto” onde estavam confortavelmente acantonados até 2015, António Costa transformou-os em partidos do sistema, tornando o Chega no único partido capaz de aglomerar o chamado “voto anti-sistema”. Apercebendo-se do erro a médio prazo que foi contribuir para montar a geringonça, Bloco e PCP têm tentado corrigir a mão – ora chumbando o Orçamento do Estado, ora endurecendo o discurso nas negociações – para tentar recuperar parte do eleitorado que perderam para a outra extrema.

A esquerda, na verdade, teme André Ventura, não sabe como combatê-lo (como também não sabe a direita) e, nas entrelinhas, o Chega continua a sua ascensão.

Ao invés de se focar nos problemas a que André Ventura dá voz, a esquerda prefere focar-se no homem político. Claro que denunciar todas as incoerências em que o deputado único do Chega é recorrentemente apanhado é um exercício democrático essencial, mas não é suficiente.

É na realidade um jogo de soma negativa para os Portugueses e para a democracia que a esquerda escolhe não reconhecer, numa incapacidade de entender que é este apego às tradicionais bandeiras identitárias que tão legitimamente defende que acaba por afastar todos aqueles a quem foi dado um lugar num elevador social que, afinal de contas, não funciona.

A esquerda das agendas cresceu porque procurava dar resposta aos problemas quotidianos de uma franja da sociedade que queria resolver as questões imediatas do seu dia-a-dia: transportes públicos de fraca qualidade, trabalhos precários, longos horários, tudo a troco de um mísero ordenado ao final do mês, que, esticado ao máximo, não chega para as necessidades básicas.

Trocados pelas bandeiras identitárias, empurrados para a periferia suburbana e esquecidos pelo sistema, viram em André Ventura o político com coragem de dizer as coisas como elas são, que deu expressão mediática aos desabafos que partilham na tasca e no café, uma imagem que este tem cultivado com sucesso.

Estes Portugueses não acordaram um dia e decidiram ser “fascistas”. Não, André Ventura apenas se tornou no seu porta-voz e é isso que a esquerda parece não entender. Cansados de viver em dificuldades, acicatados por um discurso populista e demagógico, escolhem unir-se em torno de um auto-proclamado salvador, fingindo que as tiradas racistas e xenófobas não são para ser levadas a sério.

O facto de a esquerda não compreender que a grande alavanca para que parte do seu eleitorado tenha escolhido, alegre e livremente, dar o seu voto ao extremo oposto foi ter sucumbido, em 2015, à tentação de entrar no arco da governação, para tirar a direita do poder, é alarmante e sintomático da progressiva desconexão entre as elites partidárias e quem as elege e lhes concede tal privilégio.

Em última análise, isto em nada contribui para o tão necessário regresso à condução civilizada da política e para o urgente combate a uma crescente ameaça que se vai infiltrando e envenenando os valores democráticos que tanto custaram a conquistar.

A dispersão de candidaturas nas presidenciais é disto a mais recente prova. Numa autêntica luta de egos, cada partido optou por lançar o seu próprio candidato, como se só João Ferreira, só Marisa Matias ou só Ana Gomes soubessem como anular André Ventura. O resultado foi o que se viu: uma gritaria pegada, ataques pessoais de parte a parte e zero soluções para os problemas reais do quotidiano das pessoas. O tal vácuo mediático.

Marcelo encurralado ao centro

O Presidente da República é o garante do normal funcionamento das instituições democráticas. Mas, tal como a esquerda e a direita, Marcelo Rebelo de Sousa também não sabe como combater o crescimento de André Ventura.

A recusa em facilitar, ou precipitar, uma crise política prende-se não só com as crises económica, social e de saúde pública que estoicamente atravessamos, mas, acima de tudo, com o medo de ser o responsável por estar a abrir a porta a um grupo parlamentar do Chega na Assembleia da República.

Uma hesitação que deixa muito a desejar, até porque esse grupo parlamentar é já um dado adquirido. Estando a extrema-direita em crescimento, seria mais avisado fazer antecipar as eleições para o quanto antes, quando o Chega poderá eleger “apenas” 12 a 15 deputados, do que esperar até 2023, quando esse número poderá ser bem mais assustador.

À esquerda, ganha André Ventura. À direita também. Ao centro, perdemos todos.

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