Lisboa está cheia de estrangeiros, muitos turistas americanos a tirar partido do dólar alto, mas também muitos não turistas a tirar partido dos impostos baixos. E não só Lisboa; é o Porto, a costa alentejana, e tudo o que é sítio bonito no resto do país.
Como infelizmente bem sabemos, Portugal cobra dos impostos mais altos da Europa. É uma das razões do atraso português. Mas recentemente, e nem todos o sabemos, Portugal cobra também dos impostos mais baixos da Europa. Os impostos mais altos cobra-os àqueles que nasceram e sempre viveram em Portugal. Os impostos mais baixos cobra-os aos estrangeiros (ou poucos portugueses de regresso) que enchem agora o centro histórico das cidades ou as povoações em frente ao mar.
Aprendemos com isto que a governação socialista acha bem que os ricos paguem muito menos impostos que os pobres. Uma família remediada que sempre tenha vivido em Portugal paga taxas de imposto sobre o rendimento mais altas que a família francesa recém-chegada a Portugal que acabou de comprar o apartamento do último andar do Páteo Pimenta, em frente ao Tejo, 800 m2, jardim e piscina.
Também aprendemos que afinal os socialistas sabem bem que impostos baixos ajudam a criar riqueza. Só que a riqueza que criam destina-se a quem paga os impostos baixos. Os investimentos que são rentáveis para quem paga impostos baixos não o são para quem os paga altos. E por isso, aqueles que sempre viveram em Portugal ficam condenados à pobreza socialista enquanto outros acumulam riqueza, incluindo a que era dos seus pais e avós.
Dentro em pouco não haverá uma casa no centro histórico da cidade, com vista para o rio ou em frente ao mar, em que se fale português. Bem, talvez o jardineiro ou a empregada da limpeza. Nem quinta no Douro e monte no Alentejo. Aos portugueses restará mandar os filhos mais capazes para fora para que sejam tratados como estrangeiros se se lembrarem de voltar.
Esses filhos, os mais bem preparados pela escola pública a custo zero, vão ter os seus filhos no estrangeiro, envelhecendo a população, e privando o país da liderança económica, social e política que precisa. Serão substituídos por estrangeiros não comprometidos com a cultura ou com a gestão pública. Até porque os incentivos fiscais têm prazo, e quando acaba o prazo, esses estrangeiros são substituídos por outros.
Também no consumo há agora dois mundos. No mercado da ribeira, onde vou às compras, os portugueses compram sardinha e carapau, e robalo de viveiro. Há peixe para portugueses, e peixe para estrangeiros. Uma refeição para dois num restaurante onde só se fala inglês custa um quarto do salário mínimo, o salário de mais de 25% dos trabalhadores em Portugal. E já há recomendações para deixar gorjeta à americana.
Os meus colegas estrangeiros na universidade pagam metade dos impostos que eu pago. Não me parece justo, mas também não é uma boa forma de construir a instituição universitária. Porque o desconto fiscal tem termo, ao aproximar-se o fim, lá vão eles à procura de outro paraíso fiscal.
A Europa do Sul já adotou toda este sistema. Os detalhes variam, mas a ideia é a mesma. Cria-se assim entre os mais aptos, uma classe de nómadas fiscais a saltar de país para país de acordo com conveniências fiscais. Uma classe não comprometida com país nenhum, que ganha bem, antes e especialmente depois de imposto, que nem chega a compensar o país de origem pelo investimento educativo.
No outro dia, num seminário, alguém dizia que o retorno da educação em Portugal baixou nos últimos dez anos. Terá baixado o retorno das licenciaturas para uso doméstico. Mas não baixou o retorno de licenciaturas e mestrados que dão acesso à Europa liberal com taxas de imposto baixas. É um facto que a desigualdade salarial e da riqueza tem aumentado muito em todo o mundo. Estas novas distorções fiscais só reforçam essas desigualdades.
No trabalho científico sobre o desenho do regime fiscal, é prática comum não permitir discriminação de impostos baseados em características pessoais. Um dos argumentos é a proteção de direitos constitucionais, como os da Constituição portuguesa que prevê proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
O argumento que oiço mais vezes para justificar estas medidas é ser uma forma de atrair capital. Mas para que serve atrair capital se isso se traduz no esbulho do capital futuro daqueles que a lei devia proteger em primeiro lugar? Na origem destas medidas esteve a crise da dívida. Nessa altura, percebo que a atração de capital fosse uma preocupação. Faz lembrar tristemente uma família rica e antiga que, com a fortuna perdida no jogo, vende o solar e vai viver para a casa dos caseiros.
Qual é a solução? Não é, espero, subir os impostos dos estrangeiros ou dos nacionais que regressem. A solução é criar condições para baixar os impostos de todos, residentes nacionais ou estrangeiros, gerando riqueza que não discrimina de forma arbitrária a favor dos mais ricos.