A política externa russa dá cada vez mais claros sinais de cansaço e impotência, processo que não se deve ao “auto-isolamento” de Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, devido à pandemia, mas por causa dos erros graves cometidos pela sua diplomacia.
A situação no Nagorno-Karabach, Bielorrússia e Quirguízia são três exemplos de que o poder do Kremlin na sua “zona de influência” não se traduz numa capacidade de resolver as crises que atingem esses países.
Comecemos pela Bielorrússia, o mais importante aliado da Rússia e país estratégico que serve de tampão entre ela, por um lado, e a União Europeia e a NATO por outro. Depois de “deixar escapar” a Estónia, Letónia, Lituânia, a Geórgia e a Ucrânia, a aproximação de Minsk ao Ocidente abriria, para os estrategas que continuam a operar com categorias do século XIX e primeira metade do século XX, caminho ao avanço dos tanques da Aliança Atlântica rumo a Moscovo.
Aparentemente, o Kremlin parece ter vencido a batalha contra a oposição bielorrussa ao manter no poder Alexandre Lukachenko e adquirido maior capacidade de pressão sobre o ditador do país vizinho. Nos últimos anos, Lukachenko estava a realizar uma política de aproximação à União Europeia e de afastamento em relação à Rússia, tentando, ao mesmo tempo, continuar a receber bónus como preços mais baixos dos combustíveis russos, etc. Para o regime de Vladimir Putin, essa política acabaria por provocar um sério confronto entre o seu país e a UE. Porém, agora, esse “pesadelo” está fora de hipóteses. Lukachenko viu as portas ocidentais fecharem-se.
Nesta situação, a Rússia tem todas as possibilidades para se livrar de um parceiro odioso e criar condições para normalizar a situação na Bielorrússia e incentivar as relações bilaterais. Porém, até agora, não tem conseguido superar os obstáculos existentes.
O principal é o próprio Lukachenko, que vai convencer o seu homólogo russo, Vladimir Putin, de que não existe alternativa a ele próprio. Caso ele deixe de “mexer os cordelinhos”, a Bielorrússia será palco de mais uma “revolução colorida”.
Isto, por sua vez, irá fazer com que as prometidas reformas constitucionais, com vista a uma mais equilibrada divisão de poderes entre o Presidente, o Parlamento e o Governo, bem como à realização de eleições presidências antecipadas, não levem à pacificação necessária à sociedade bielorrussa.
Além do mais, o Kremlin ainda não aprendeu a trabalhar e a dialogar com as oposições, nem dentro nem fora da Rússia. Os políticos russos e seus conselheiros continuam a olhar para os adversários de Lukachenko como para “agentes do Ocidente”, “quinta coluna”, etc., não querendo ver diferentes correntes no seu seio. Isto, bem como as ameaças de Putin de enviar tropas para a Bielorrússia, criaram na sociedade bielorrussa disposições anti-russas que antes não existiam.
Por isso, os protestos não param e a situação política na Bielorrússia está longe da sua solução.
No que diz respeito a Nagorno-Karabach, território do Azerbaijão onde a maioria da população é arménia, a Rússia não está a conseguir congelar o conflito tão rapidamente como em crises anteriores e está a permitir a entrada de novos jogadores, neste caso, a Turquia, que não ajudam nessa tarefa.
(Aqui falamos em congelar e não em resolver o conflito, pois este tem uma forte componente étnica e serão necessários muitos esforços e anos para que se encontre uma solução).
Os Estados Unidos tentaram conseguir um cessar de fogo uma vez e, embora o Presidente Donald Trump tenha afirmado que se trata de um conflito de fácil solução, desistiram, pois o mais importante é a vitória nas presidenciais e Nagorno-Karabach não é o Médio Oriente. Da União Europeia não vale a pena falar, porque ela está mergulhada na luta pela sua própria sobrevivência.
A Rússia, por sua vez, encontra-se perante um forte dilema: não pode deixar de ajudar o seu aliado arménio, mas também não pode romper com um parceiro estratégico como o Azerbaijão, tanto mais que este último tem o apoio da Turquia, país que é, ao mesmo tempo, parceiro e concorrente de Moscovo na região.
Até agora, o Kremlin tem conseguido manter um equilíbrio muito importante, mas este não agrada muito aos dirigentes da Arménia. Qualquer cedência em Nagorno-Karabach pode significar para eles a perda do poder, mesmo que isso diga apenas respeito às regiões azeris controladas pelos arménios.
Os actuais líderes arménios, num momento em que a situação militar não lhes é favorável, consideram que a Rússia deve proteger o seu país em conformidade com o Tratado da Organização de Defesa Colectiva. Porém, Moscovo responde que isso só poderá acontecer se as tropas do Azerbaijão atacarem território arménio. Ora, segundo o Direito Internacional, Nagorno-Karabach é parte integrante do Azerbaijão. Além disso, o Kremlin não está satisfeito com o governo arménio, que procura diversificar os seus parceiros internacionais e receia que ele se queira afastar da Rússia.
A entrada activa da Turquia neste conflito vem complicar a vida à diplomacia russa, pois são conhecidos os apetites do Presidente Erdogan naquela região. Por outro lado, é já um factor inevitável. Por isso, a Rússia terá de conseguir dialogar com a Turquia e o Irão, outro jogador neste conflito, mas de forma a que sejam respeitados os seus interesses estratégicos. O Kremlin não pode permitir a aproximação de grupos terroristas das suas fronteiras, principalmente do Cáucaso Norte, sério “tendão de Aquiles”.
Na Quirguízia, a luta entre clãs levou ao terceiro golpe de estado desde 2005. Por enquanto, nenhuma dessas mudanças bruscas prejudicou as relações entre esse país e a Rússia. Todavia, o Kremlin não pode continuar a dispensar apoio político e económico a grupos criminosos que se alimentam do tráfico de drogas do Afeganistão para a Europa e do transito ilegal de produtos chineses, pois arrisca-se a perder o controlo da situação.
Cada vez com menos aliados, a Rússia deverá orientar a sua política externa por objectivos pragmáticos, e não por sonhos quiméricos como a “restauração da URSS”. E que não permita que os “seus olhos comam mais do que a barriga”.