Há muito tempo que ideias ultraconservadoras, ultraortodoxas e ultranacionalistas, com traços muito fortes de nacional-comunismo e de nazismo, pairavam na Rússia, mas muitos no Ocidente não queriam acreditar que elas se transformassem em ideologia oficial do Kremlin no século XXI. Depois da I Guerra Patriótica contra Napoleão (1812-1815) e da II GP contra Hitler (1939-1945), o Kremlin apresenta a invasão da Ucrânia como uma III GP, desta vez contra o “neonazi” Volodimir Zelenski.

Havia sinais directos e indirectos desse processo, mas a famosa “aula de história”, pronunciada por Vladimir Putin na véspera da invasão da Ucrânia, onde ele chama a si a missão de restaurar o Império Russo, negando, por exemplo, o direito da Ucrânia a uma existência independente, trouxe  à tona uma série de “pensadores” lambecusistas  que se apressaram a justificar os planos expansionistas do suserano.

Timofei Segueitsev, analista político da agência oficial russa RIA, apresenta uma proposta de “solução final” para os destinos dos ucranianos e da Ucrânia caso as tropas russas atinjam os objectivos da “operação especial” desencadeada por Putin. Ele, entre outras receitas, propõe que “os nazis [ucranianos] que pegaram em armas nas mãos deverão ser liquidados ao máximo no campo de combate. Não se deve fazer grande diferença entre militares, batalhões nacionalistas e grupos locais de defesa”.

Derrotado Zelenski, não são só os dirigentes ucranianos irão ficar sujeitos à “limpeza ideológica”.

“Além da cúpula, que deve ser “desnazificada”, [leia-se liquidada], é também culpada parte significativa das massas populares que são nazis passivos, apoiantes dos nazis… Só é possível um castigo justo para essa parte dessa população se ela tiver de supor os fardos inevitáveis da guerra justa contra o sistema nazi”, acrescenta ele.

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Será que teses destas não fazem lembrar os tempos tenebrosos das perseguições aos judeus na Alemanha de Hitler.

O que leva a Rússia a combater na Ucrânia?

Outra analista política Victória Nikiforova , da mesma agência oficial russa, seguindo a revisão da História realizada no Kremlin, compara a actual situação com a guerra entre a União Soviética e a Alemanha nazi : “Para russos e ucranianos, tudo está extremamente claro e compreensível. Os russos foram libertar a sua terra dos nazis. Fizemos o mesmo em 1943-1944 no mesmo território. Então, as dimensões do colaboracionismo eram menores… Se for preciso, explico, a Rússia leva para o território da Ucrânia a sua civilização, muito diferente daquela a que os ucranianos se habituaram nos últimos 30 anos”.

O antigo Presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, vai ainda mais longe ao afirmar que foi o Exército Vermelho que, sozinho, derrotou as hostes germânicas, limpando assim da História os aliados ocidentais!

Aliás, o actual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, também conhecido pela alcunha de corrupto e mafioso “Dimon”, não quer ficar atrás na inovação histórica. Ele propõe, depois do desaparecimento da Ucrânia, a criação de um “espaço aberto na Eurásia, entre Vladivostoque e Lisboa”!

A julgar pelos rastos e ruínas deixados pelas tropas russas na Ucrânia, pode-se imaginar o que restará dos países europeus depois de mais uma “missão libertadora” dirigida por Moscovo. A ideia da criação de um espaço democrático e de cooperação de Lisboa até Vladivostoque foi avançada, entre outros, por Charles d’Gaulle, antigo Presidente francês, mas nada tem a ver com as fantasias pornograficamente expansionistas de Putin e da sua corte.

Nesta dança macabra não podia faltar Guennadi Ziuganov, dirigente do Partido Comunista da Federação da Rússia. Como um dos principais atiçadores da invasão da Ucrânia pelas hordas russas (recordo que foi ele e o seu partido que propuseram o reconhecimento das repúblicas separatistas pró-russas de Donbass pelo governo de Moscovo), apela a que a guerra seja levada até à vitória final: “A Rússia deve cumprir as tarefas de desmilitarização e desnazificação da Ucrânia. Caso contrário, todos teremos de envergar os capotes militares”.

Estas declarações servem para explicar as posições tomadas pelos comunistas portugueses face à invasão da Ucrânia.

Quanto ao líder nacional-palhaço russo Vladimir Jirinovski, já não terá oportunidade de ver o resultado final de algumas das suas profecias, pois faleceu ontem num hospital de Moscovo.

Por fim, volto a perguntar: afinal qual é o país que é dirigido por neonazis? Um grupo, que espero cada vez menor, e que inclui alguns dos generais e oficiais portugueses na reserva, continuarão a tentar-nos convencer de que se trata da Ucrânia.