Ao celebrar esta semana os 526 anos da Santa Casa leio hoje os jornais portugueses, sempre à procura de notícias – com Kant, também o Jornal é para mim oração da manhã, embora eu lhe anteponha um preâmbulo milenar, a Liturgia das Horas ou Palavra de Deus. Detenho-me numa notícia que a tem no título, mas o jornal traz-me apenas mais um podre, como se mais não houvesse a contar…

Não é para qualquer um o dar conta do trabalho desta Senhora cujas 14 obras da Misericórdia relegam para pálida sombra os 17 ODS da Agenda 2030. Acabar com a fome, a sede, etc., até 2030, etc. etc., coisas irrealizáveis, impossíveis de realizar – é ver o interminável escândalo das fomes, das guerras, e por aí. Ao invés, o que a Santa casa da Misericórdia assume no seu Compromisso (1498) são coisas que podem ser realizadas. Como? Qual o segredo da Santa Casa?

Antes de mais, tem obra feita. E sempre lhe exigem mais e mais. Porque parece que tudo o que faz é pouco. Daí a expressão “pensas que isto é a Santa Casa, ou quê?”

O seu programa de governo foca-se no essencial, no “único necessário”: Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver. Por isso Pedro Santana Lopes, que dela foi Provedor, pediu-nos há dias em direto no Now: “Tratem bem a Santa Casa! “

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“Tratar bem” é o que a filha dileta da rainha D. Leonor tem gravado a sangue e suor nas suas boas práticas. “Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-te, respeitando-te e sendo-te fiel em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe.” Com esta frase dita e repetida em todo o mundo, homens e mulheres declaram estar inteiramente à disposição do outro. São também estas palavras que constituem o ADN da Santa Casa, que não lhe passa pela cabeça o “divórcio”…

Palavras de um compromisso irrevogável e intransmissível, sim que isso ainda se usa, constituindo a base de uma civilização cuja fonte está nesta conceção de um Deus que não é um Motor Imóvel, ou ex Machina, mas um Deus que vem ao encontro dos homens, um Deus compassivo e cheio de Misericórdia – um Deus que neste momento dá vida e ser a cada existente.

A rainha D. Leonor entendeu os mais necessitados como seus “próximos”, seus irmãos. Mas não se ficou pelo sentir e passou à acção. Ela virou o seu coração  (miserere – ter compaixão + cordis- coração) para os que mais precisavam, foi misericordiosa com eles, como o seu Pai foi,  e é, misericordioso com ela.

Ela foi uma grande empreendedora da Misericórdia, lê-se na Revista Cidade Solidária. Da Misericórdia, por um lado, porque a espalhou 70×7, na medida da criatividade de todos aqueles que há mais de cinco séculos não têm mãos a medir. E da Misericórdia, por outro lado, porque foi sempre do Alto que a força e a energia manaram – por vezes aqueles que auxiliam mais não têm que duas mãos vazias, porém abertas, porque em qualquer circunstância a força vem do Pai.

A Misericórdia não cabe em objetivos, são antes os objetivos que cabem dentro da Misericórdia.  Amar não é um objetivo mas é o Acontecimento gratuito que nos atinge ao sermos abraçados pelo mesmo Pai.

Nada contra os ODS. Antes pelo contrário. Mas sou realista e prefiro pedir o impossível, a quem o pode realizar. Ao Pai e a cada um dos seus filhos, os mais necessitados, e os menos necessitados. Peço a todos e mais algum!