“Yearning”, “longing”, “nostalgia”, “aching”, “missing” — são palavras inglesas que têm em comum poderem servir de sinónimo para “saudade”, a mais célebre de todas as palavras supostamente intraduzíveis do mundo.
A palavra saudade é tão intraduzível como, digamos, a palavra inglesa “pie”. Os vários sinónimos portugueses de “pie” são igualmente numerosos: “empada”, “empadão”, “tarte”, “pastel”. Em ambas as línguas, as “pies” podem conter qualquer ingrediente, por baixo ou por cima da massa ou da batata: desde maçã até pedaços irreconhecíveis de carne. Tal como as “saudades”, também as “pies” têm muitos e variados recheios, quero dizer, sentidos.
Se um amigo ou uma amiga lhe disser “tenho saudade tuas”, não quer dizer necessariamente: “partiste para longe, através dos oceanos, a comer biscoitos, enquanto procuras as Índias… és capaz de morrer na viagem, mas a memória deliciosa do nosso amor e daquele beijo que deixaste na minha boca antes de embarcares permanecerá dolorosamente no meu coração”. Não, “tenho saudades tuas” pode querer dizer apenas “sinto a tua falta”, isto é, “I miss you”. Se tiver sorte, talvez signifique “eu anseio por ti!”. Digo sorte, se quiser que essa pessoa anseie mesmo por si. Se não, bloqueie-lhe o número de telemóvel.
Por causa das preguiças do jornalismo de viagens (ingleses e americanos, estou a olhar para vocês!), os três Fs de Fátima, futebol e fado serviram durante anos para resumir Portugal no estrangeiro. Por causa da continuação dessas preguiças de jornalistas em viagem, os FFF foram substituídos recentemente pelos FPS.
O F religioso é o mesmo … onde estaríamos sem o sagrado futebol? (não me peçam para responder a essa pergunta!).
O P é o do ubíquo pastel de nata, que inundou Lisboa como uma erva daninha. Hoje em dia, basta um passeio na Baixa para concluir que os portugueses só comem pastéis de nata (reparem, eu, com todo o gosto e se fosse possível, tomava banho numa banheira cheia de pastéis de nata, mas há muito mais no menu culinário português para os estrangeiros conhecerem).
Quanto ao S, é para saudades, que o mundo inteiro já sabe que é AQUELA palavra portuguesa intraduzível. O mito floresce, cá e lá fora. Chegámos a este ponto: no outro dia, no Rock in Rio, ouvi o cantor dos Arcade Fire a dizer (em português bastante decente, aliás) que “esta música é sobre SAUDADES!”. Como seria de prever, a audiência passou-se, exactamente como é suposto passar-se quando um artista fez o esforço necessário para aprender a dizer “obrigado”, ou quando grita coisas como “LIS-BON!!!! you are the BEST CROWD IN THE WORLD!!!”.
Bem, vou encher a banheira com pastéis de nata e sofrer um bocado de saudades, antes que o campeonato do mundo de futebol estrague o momento.
Traduzido pela autora a partir do original inglês:
Saudades and pies
Yearning, longing, nostalgia, aching, missing… all English synonyms for “saudades”, the world- famously untranslatable word.
Saudades is about as untranslatable as, say, the English word “pie”. Pie’s various Portuguese synonyms are just as numerous: “empada”, “empadão”, “tarte”, even “pastel”. Any of those can be filled with just about any ingredient, ranging from apple to bits of unrecognisable meat, in both languages, before you tell me that saudades has many and various deep fillings, I mean, meanings.
If a friend says “tenho saudades tuas” they don’t mean “you have gone away, far from home, across the sea, destined to eat sea biscuits while you try to discover the Indies, you may die on your journey, but the delicious memory of our love and of that kiss you planted on my lips moments before you boarded your ship lingers painfully in my heart”. They mean “I miss you”. If you’re really lucky, they might mean “I yearn for you!”. Lucky, that is, if you want that person to be yearning for you. If not, block their number.
Because of lazy travel journalism from elsewhere (England and America, I’m looking at you), the three Fs, Fátima, futebol and fado, summed up Portugal for foreign readers for many years. Because of continuing lazy travel journalism, the three Fs have become F, P and S. The religious F has remained, of course — where would we be without the sacred ball? (don’t ask me to answer that) The P is for the now ubiquitous Pastel de Nata which is flooding Lisbon like never before. Take a walk through the Baixa these days and you will come away with the impression that the pastel de nata is all we eat (don’t get me wrong, I’d bathe in pastéis de nata if I could, but there is more to the Portuguese culinary dictionary of cakes for the world to know about).
The S is for saudades, and everyone in the world now knows that saudades is THAT untranslatable Portuguese word. The myth continues, here and abroad, ever onward. I even heard the singer of Arcade Fire telling the audience at Rock in Rio (in pretty good Portuguese, to his credit) that “this song is about saudades”. Of course, the crowd went wild. As they go wild when any performer has gone to the slightest effort of learning how to say “obrigado” or when they say “LIS-BON!!! You are the BEST CROWD IN THE WORLD!!”.
I’m off to fill a bath with pastéis de nata, and to suffer saudades, before any big futebol championship ruins the moment.