A segurança interna consiste na actividade do Estado, através das suas forças e serviços de segurança (FSS) – algumas vezes com a colaboração das forças armadas – no sentido de proporcionar um sentimento de segurança à sociedade e precaver e combater riscos e ameaças que possam comprometer o normal funcionamento das instituições democráticas, sendo percepcionada como um factor de desenvolvimento económico, coesão social e estabilidade política.
Para a realização desta missão, crucial para a estabilidade nacional, é cada vez mais evidente que faltam às nossas forças e serviços de segurança os meios necessários para as operações de prevenção e acção operacional. É do conhecimento de quem trabalha na e para as FSS que as suas instalações carecem de manutenção e apresentam sinais claros de degradação e falta de higiene. A falta de viaturas é do conhecimento público e os meios tecnológicos, fundamentais para um eficiente combate e prevenção criminal, são obsoletos, inadequados quando existem e com enormes limitações na interoperabilidade entre os sistemas de informação. Este último factor diminui significativamente a interoperacionalidade entre as diferentes forças e serviços de segurança.
Este é o resultado do desinvestimento e de esquecimento das FSS, muito em consequência dos preconceitos ideológicos que nos últimos seis anos de “geringonça” apoucaram, diminuíram e desautorizam as polícias e os serviços de segurança nacionais.
Ao mesmo tempo, o nível de exigência por parte dos governantes aumentou. Os desafios à segurança pública são crescentes e de múltipla abrangência, o que exige recursos, não apenas materiais, mas principalmente humanos. Desde 2009 que não há qualquer alteração positiva na tabela remuneratória, sendo o ordenado de entrada na PSP pouco acima do ordenado mínimo. Não existe por isso, qualquer reconhecimento material a quem presta este serviço. Não é por isso de admirar que no último concurso de acesso à carreira de agente da PSP não houvesse candidatos suficientes aos lugares disponíveis. Das 1000 vagas disponíveis, entraram cerca de 800, tendo o governo realizado um artifício de última hora para aumentar o número de candidatos, tendo alterado a idade mínima de admissão dos 19 para os 18 anos e dos 27 para os 30 a idade máxima de admissão. Permitiu-se ainda que os jovens que frequentavam o 12º ano de escolaridade pudessem entrar na formação, o que antes não era aceite. Tudo isto põe em dúvida o anúncio do Ministro da Administração Interna de que, em 2022, serão integrados 2600 novos agentes da PSP e militares da GNR.
As consequências dos preconceitos ideológicos e destas políticas são evidentes. Os operacionais das FSS estão cada vez mais envelhecidos, apresentam elevados níveis de cansaço físico e mental, desmotivação e instabilidade. Os elementos da forças sentem-se desvalorizados, menosprezados socialmente na sua qualidade de garantes da segurança de pessoas e bens, impossibilitando-os de realizar a sua missão de forma digna e eficiente, em resposta às necessidades das populações. Em última análise as consequências destas políticas podem revelar-se absolutamente desastrosas, como o indicam os níveis de burnout e suicídio, valores dos mais elevados da Europa!
As evidentes faltas de condições de trabalho das forças degradam o nível de serviço dos operacionais de segurança, degradação esta que poderá potenciar um gradual sentimento de insegurança entre os cidadãos, algo que há bem pouco tempo era dificilmente imaginável, dados os indicadores de criminalidade serem muito satisfatórios, quando comparados com outras realidades europeias. Estes tempos, ao que tudo indica, parecem estar a terminar e pouco ou nada se está a fazer para os reverter. Pior, em reação às políticas adoptadas e aos preconceitos ideológicos que se abateram sobre as FSS, há quem, de forma demagógica e numa perspectiva securitária, se aproveite politicamente da frustração dos operacionais e do sentimento de insegurança das pessoas, para obter ganhos políticos.
No governo, mas também na oposição, há que assumir que são precisas medidas urgentes para tornar novamente a carreira policial aliciante. Destacarei quatro medidas que entendo contribuírem para reverter a situação de desqualificação que os elementos das forças policiais vivem actualmente:
- Valorização da carreira das Forças e Serviços de Segurança (FSS), que poderá ser, desde um incremento do apoio financeiro ao alojamento e transportes de agentes para geografias distantes das da sua origem, até medidas de formação ao longo da vida, para a sua valorização intelectual e profissional;
- Promoção do uso comum de meios entre as forças e serviços de segurança, através da implementação de serviços partilhados, geradores de maior eficácia, eficiência e unidade de acção entre estes. A integração dos sistemas de informação da administração interna e sua plena interoperabilidade, seria factor crítico de sucesso para o uso comum;
- Orientação para políticas de gestão que levem à libertação de recursos humanos para funções de natureza operacional, recorrendo à digitalização de processos e às tecnologias e sistemas de informação para as tarefas administrativas e burocráticas passíveis de serem automatizadas de forma eficiente;
- Implementação de uma gestão mais objectiva e transversal dos recursos das várias forças de segurança, de forma a evitar sobreposições entre instituições e afectações indevidas e/ou desnecessárias. O reflexo desta acção será uma maior articulação e coordenação entre as forças de segurança e os serviços de emergência médica, segurança rodoviária e segurança ambiental.
Existe unanimidade em reconhecer que vivemos um novo ambiente estratégico global. Consolidou-se um novo mapa europeu, resultante do fim da guerra-fria, agudizaram-se os conflitos étnico-religiosos, aumentou o risco de proliferação das armas de destruição maciça nas suas dimensões nuclear, biológica e química, acentuou-se o fenómeno da imigração ilegal, as fake news são disseminadas digitalmente, polarizando e corroendo a coesão social, crescem os novos autoritarismos imperialistas e o terrorismo internacional que ameaçam os sistemas democráticos. Em suma, surgiram novas ameaças. A realidade apresenta-se hoje complexa e multiforme. São novos desafios que necessitam de novas soluções.
É fundamental promover uma reflexão profunda, entre todos os que queiram realmente contribuir para uma melhoria do estado das FSS, que permita propor reformas às condições e meios destas. É fundamental apresentar novas soluções que devolvam às FSS condições dignas para a realização da sua missão e às pessoas o sentimento de segurança, fundamental para uma vivência plena numa sociedade democrática. Sem segurança, não há liberdade!