Uma das competências mais importantes, mas também das menos notadas, no âmbito da política de segurança da União Europeia (UE) é a da proteção civil. O seu objetivo é prevenir e responder a desastres, protegendo pessoas e bens, sejam estes eventos originados por causas naturais ou de origem humana.

Com o aumento da quantidade, gravidade e custos das crises e desastres dos últimos anos na Europa, conforme expresso nos relatórios “Economia para a Prevenção e Preparação para Desastres” do Banco Mundial e da Comissão Europeia e, tendo em conta que as futuras ocorrências poderão ser mais extremas e com impactos maiores, entendeu-se que seria essencial aos Estados-membros da UE terem preocupações e respostas alinhadas no que concerne à segurança de bens e pessoas. Devido às alterações climáticas e à interação entre os diversos riscos naturais e tecnológicos, percebeu-se que a resposta teria de ser sempre que possível pan-europeia. Teria de haver uma solução de recurso, integrada e colaborativa entre Estados, na gestão deste tipo de ocorrências.

A complexidade e o desafio que consiste em lidar com crises e desastres de diferentes tipos e origens, exige uma abordagem entre Estados com uma grande amplitude de meios, mas também a necessidade de equilibrar a responsabilidade nacional, sempre em primeiro lugar, com a solidariedade europeia. Tendo em conta este contexto, a capacidade de promover a solidariedade e complementar e coordenar as ações dos Estados-Membros no âmbito da proteção civil, a UE implementou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil. Esta estrutura, criada em 2001 para coordenar a resposta a eventos críticos, baseia-se no artigo 196.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE). Este artigo apela à UE para melhorar a eficácia dos sistemas de prevenção e proteção contra catástrofes, promovendo uma cooperação operacional rápida e eficaz na União entre os serviços nacionais de Proteção Civil dos Estados-Membros. O mecanismo destina-se também a contribuir para a aplicação do artigo 222.º do TFUE, a chamada cláusula de solidariedade, que obriga a UE e os seus Estados-Membros a prestarem ajuda mutua a quem seja assolado por desastres naturais, ataques terroristas ou outra grande crise provocada pelo Homem.

Além dos 27 países da UE, alguns países terceiros participam neste mecanismo: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Islândia, Montenegro, Macedónia do Norte, Noruega, Sérvia e Turquia. Em setembro de 2023, o Conselho deu luz verde à participação da Moldávia e desde abril de 2023, a Ucrânia também participa no Mecanismo de Proteção Civil da UE como Estado participante. Este mecanismo inclui um centro de coordenação de resposta a emergências, que é o seu coração operacional e está ativo 24 horas por dia, todos os dias do ano! Fazem ainda parte deste centro, como ferramentas de apoio às operações, os sistemas de alerta precoce e de informação da UE, bem como a reserva europeia de proteção civil, uma pool de recursos dos Estados-Membros e participantes, prontos para serem mobilizados para uma zona de catástrofe num curto espaço de tempo. Cada um destes recursos combina pessoal especializado e equipamento para resposta e recuperação a catástrofes. Esta reserva reúne este ano de 2024, 556 bombeiros de 12 países, que serão implantados em toda a Europa neste verão.

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Inserido nesta reserva está o rescEU. Esta componente da reserva foi criada pela UE, que retirou as devidas lições dos dramáticos incêndios de 2017 no nosso país, tendo percebido que em catástrofes que afetem mais do que um Estado em simultâneo, o Mecanismo Europeu de Proteção Civil não é suficiente, dado que se o Estados-Membros não têm meios suficientes para si próprios também não os vão poder partilhar com outros Estados. Assim, a UE criou a sua própria reserva de meios! Isto foi evidente na crise da COVID-19, com a reserva de máscaras e de vacinas. Tudo é 100 % financiado pelo orçamento europeu, sendo propriedade da União e não dos Estados.

Ao nível dos recursos para a Proteção Civil, a Comissão Europeia atribui este ano 600 milhões de euros em financiamento para facilitar a futura aquisição de doze novas aeronaves de combate a incêndios, com seis destas aeronaves a serem entregues aos Estados-Membros. O mesmo no futuro para nove helicópteros de combate aéreo a incêndios.

O terramoto que constituiu “o pior desastre natural num século na Europa”, ocorrido na Turquia em 2023 com mais de 50 mil mortos e milhões afetados, os incêndios florestais no Chile, as inundações na Itália e na Líbia, em Derna, os devastadores incêndios florestais na Grécia e em Chipre ou mais recentemente o apoio humanitário à Ucrânia e a Gaza, são exemplos de catástrofes humanas e naturais só nos anos de 2023 e 2024 que tiveram a intervenção da proteção civil europeia e que, julgo, a grande maioria dos cidadãos da UE não teve essa perceção.

Dada a significativa vulnerabilidade de Portugal – que tem sido um regular utilizador deste mecanismo -, aos desafios das alterações climáticas, como o aumento da frequência e intensidade dos incêndios florestais, secas, inundações, erosão costeira, elevação do nível do mar e ondas de calor, é fundamental que o país defenda e promova ativamente este mecanismo europeu. A começar também na sua participação ativa! Isto pode ser feito através do reforço da disponibilização de equipas de socorro e especialistas em emergências e busca/salvamento, que partilham as suas experiências e melhores práticas adquiridas nos incêndios florestais em Portugal, bem como apresentando inovações e soluções tecnológicas desenvolvidas no nosso país que aumentem a eficiência e eficácia das operações de proteção civil europeia.

A UE e os seus Estados-Membros comprometeram-se com a proteção dos seus cidadãos e uma Europa que protege deve ser capaz de responder eficazmente quando ocorre um desastre. A expressão máxima deste objetivo pode ser encontrada na já referida cláusula de solidariedade do tratado sobre o funcionamento da UE. É esta solidariedade que quero recordar, num momento tão divisivo e desafiante para a União Europeia, recuperando a essência do que a moldou: o fim da guerra entre os Estados da Europa, baseada nas “quatro liberdades” que permitiram um sustentado crescimento e prosperidade dos povos europeus, a colaboração entre Estados na promoção dos direitos humanos, individuais e políticos e na democracia e Estado de Direito, em síntese, a defesa inequívoca dos valores europeus alicerçados nos princípios essenciais da solidariedade e da Liberdade.