Passou praticamente despercebida nos órgãos de comunicação nacionais a apresentação no dia 5 de março de 2024 da European Defence Industrial Strategy (EDIS), primeira estratégia industrial de defesa da União Europeia (UE) apresentada juntamente com o programa Europeu da Indústria de Defesa (EDIP) ambas implementadas pela Comissão Europeia (CE). Acredito que as legislativas do passado 10 março tenham tomado muita da nossa atenção, mas o “mundo não para” e as questões que dizem respeito às políticas dos Estados membros para a defesa europeia estão na ordem do dia, nem que seja porque a 9 de Junho teremos eleições para o Parlamento Europeu.

O regresso da guerra à Europa com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, sinalizou aos países europeus que o desinvestimento na defesa, iniciado após o fim da guerra fria, tinha de acabar, isto se os países europeus quisessem conter uma Rússia revisionista e imperialista. Ao mesmo tempo, os europeus são observadores passivos das eleições norte-americanas esperando que a arquitetura de segurança europeia não caia pela base face a uma possível reeleição de Trump.

Os gastos dos países membros da UE com a defesa atingiram o valor recorde de 270 mil milhões de euros em 2023, mas continuam a existir graves lacunas em termos de interoperabilidade de sistemas, carecendo também estes de munições e de capacidades de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR). É inequívoco que os governos europeus e as empresas de defesa devem cooperar mais pois esta cooperação tem benefícios como a redução da duplicação de equipamentos, o aumento da produção e a redução de custos.

Os interesses nacionais e o protecionismo, aliados às ineficiências operacionais e burocráticas, têm impedido uma colaboração eficaz. Entre 2021 e 2022, apenas 18% do investimento total em equipamentos na Europa foi colaborativo.

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Pretendeu-se assim tornar os países do espaço europeu mais autossuficientes, reconhecendo a necessidade de remodelar a posição de defesa da Europa a curto e a médio prazo, apostando numa “soberania estratégica” da EU, de forma a que os países que a compõem sejam capazes de produzir e trabalhar em conjunto com sistemas de armamento interoperáveis e promovendo o mercado e as compras europeias – que funcionou bem com a aquisição comum de vacinas na Pandemia de COVID-19 –  e a economia europeia.

A European Defence Industrial Strategy define várias ações:

Encoraja os países da UE a investir mais e melhor, promovendo programas para comprar e trabalhar mais facilmente em conjunto;

Pretende tornar a indústria de defesa europeia mais forte, mais reativa e mais inovadora, apoiando a investigação, financiando PMEs europeias, impulsionando o investimento e melhorando as cadeias de abastecimento;

Promove a associação dos países da UE a parceiros em todo o mundo, por exemplo, a Ucrânia poderá participar em programas da indústria de defesa da UE.

A Estratégia também estabelece uma série de metas. Até 2030, os países da UE deverão:

Comprar pelo menos 40% do equipamento de defesa de forma conjunta;

Aumentar de forma constante as aquisições à base tecnológica e industrial de defesa europeia (BTIDE) no sentido de obter pelo menos 50% do seu orçamento para os contratos públicos no setor da defesa na UE até 2030 e 60% até 2035;
Comercializar pelo menos 35% dos produtos de defesa entre países da UE, em vez de com outros países fora do espaço europeu.

 A suportar esta estratégia a UE avança com o EDIP, programa com um orçamento de 1,5 mil milhões durante o período 2025-2027 (havendo mesmo a possibilidade de utilizar os ativos financeiros russos congelados para aumentar este valor) e define medidas para cumprir os objetivos dos quais se destacam a proposta de uma nova estrutura jurídica para os  Estados-membros para uma cooperação mais efetiva ao longo de toda o ciclo de vida de produção de capacidades, garantindo a disponibilidade e o fornecimento de produtos de defesa numa base estável no tempo e nos volumes necessários para a Defesa dos países Europeus.

Concluímos assim que esta estratégia visa aumentar a prontidão industrial da BTIDE através de investimentos colaborativos, investigação, desenvolvimento, produção, aquisição e propriedade. Em síntese, a União quer que os Estados-membros comprem armas em conjunto e que as comprem na Europa.

Neste contexto a iniciativa da Comissão Europeia (CE) para reforçar as capacidades de defesa é bem-vinda, desde que a concorrência seja totalmente preservada, as soberanias respeitadas e o apetite de Bruxelas por poderes adicionais seja limitado.

Por outro lado, a implementação desta estratégia não pode dar razão às críticas que as empresas norte americanas e muitas empresas europeias tantas vezes fazem, afirmando que invariavelmente estas iniciativas protecionistas europeias penalizam o livre mercado, argumentando as empresas americanas que isso até ameaça a interoperabilidade dentro da própria NATO.

Mas há desafios adicionais, conforme já escrevi em artigo prévio, porque os Estados-membros não estão acostumados a “pensar europeu”: “As abordagens colaborativas europeias são, para muitos Estados, demoradas e complexas, e concordar com a divisão do trabalho e a especialização na produção é um enorme desafio político, pois reduz a soberania nacional, optando a grande maioria por soluções nacionais ou de fornecedores fora da UE. Até agora, as tentativas da UE de usar a regulamentação para abrir os mercados de defesa falharam em grande parte dado os países europeus usarem argumentos como a “segurança nacional” para continuarem a proteger as suas indústrias domésticas.”

Quanto aos Estados-membros de menor influência no contexto europeu – como é o caso de Portugal – têm sido céticos em relação ao contexto de cooperação europeia, pensando que essas iniciativas só beneficiarão as maiores indústrias dos países da UE. Este é, no entanto, um pensamento que as empresas nacionais devem ultrapassar. A Comissão Europeia aposta no financiamento da inovação, da flexibilidade e da agilidade das PME´s e não quer uma indústria da defesa europeia baseada unicamente nos grandes colossos franceses, alemães e italianos.

Portugal, distante da guerra na Ucrânia e, além disso, virado para o Atlântico – com Sines, porto de águas profundas – e para o Mediterrâneo, com uma excelente engenharia e com PME´s inovadoras na área das tecnologia avançadas e que têm apostado na diversificação de mercados e no estabelecimento de parcerias, começando a integrar-se nas cadeias de valor internacionais, pode beneficiar desta estratégia e programa de financiamento. Para isso é preciso que idD Portugal Defence, funcione como um efetivo potenciador da base tecnológica e industrial de defesa nacionais, longe de ‘Tempestades Perfeitas’, com independência política, capacidade de promover a diplomacia de negócios e apoiando a projeção da economia de defesa portuguesa na Europa e no Mundo.