Nos últimos cinco anos, 5.134 enfermeiros abandonaram, em definitivo, o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Os dados são da própria Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), organismo tutelado pelo Ministério da Saúde. O número, preocupante, não surpreende. Diria que a haver surpresa é, somente, por não serem dados ainda mais elevados.
Será que os portugueses sabem que nos últimos oito anos, por exemplo, se contam pelos dedos de uma mão o número de vezes que um ministro da Saúde reuniu diretamente com os enfermeiros?
Parece que não contamos para os sucessivos governos. E, no entanto, nos anos agudos da pandemia de COVID-19, demos o corpo à luta e estivemos na frente de batalha contra um vírus que paralisou o mundo, ameaçou derrubar economias, mas nunca conseguiu travar o ímpeto dos enfermeiros.
As nossas reivindicações não são novas. Nenhum ministro – passado ou futuro – pode dizer que não as conhece. E mesmo os deputados, poucos podem afirmar, de forma séria, que desconhecem o que os enfermeiros reivindicam.
Mas vamos por pontos. Desde logo, exigimos que seja finalmente criado e assinado um Acordo Coletivo de Trabalho (ACT). Desde 2017 que aguardamos que o processo então iniciado seja concluído. O primeiro ACT, que se aplique de forma universal a todas as instituições do Serviço Nacional de Saúde e não através de acordos parcelares, como sucede atualmente.
Pretendemos, igualmente, que sejam resolvidas todas as incongruências da aplicação do Decreto-lei n.º 80-B/2022. Como exemplo, continuamos a ter enfermeiros que por iniciarem funções no segundo semestre de um ano – ou seja, por apenas um dia (!) – perdem todo um ano na avaliação de desempenho e são, consequentemente, prejudicados na sua progressão na carreira.
Ao longo dos anos, foram implementadas sucessivas alterações legislativas com impacto na carreira dos enfermeiros. A cada nova lei, novos problemas e entraves são colocadas à profissão. Os enfermeiros especialistas, para solucionar problemas criados por alterações legislativas anteriores, foram colocados em posições intermédias, não existentes na nossa carreira, e que, por isso, veem agora a sua progressão travada, sendo mesmo ultrapassados por colegas com menor formação académica. É urgente que todos estes imbróglios legislativos sejam corrigidos e resolvidos. Uma carreira única e igual para todos os enfermeiros ao serviço no SNS, independentemente de o regime de vinculação ser em modalidade de Contrato Individual de Trabalho ou Contrato de Trabalho em Funções Públicas. Se, lado a lado, fazemos o mesmo trabalho, respondemos à mesma hierarquia e solucionamos os mesmos problemas, por que motivo somos tratados de forma diferente quanto aos direitos?
Por fim, o reconhecimento efetivo do risco e penosidade associado à profissão de enfermagem. O Sindicato dos Enfermeiros – SE promoveu a maior petição de sempre na área da Saúde a exigir esta mudança. Foram mais de 32 mil assinaturas recolhidas. Mas vimos a nossa proposta chumbada em Assembleia da República com a desculpa de que um grupo de trabalho promovido pelo Ministério da Saúde estava a estudar esta nossa reivindicação, bem como de várias outras profissões.
Caiu o Governo, dissolveu-se a Assembleia da República e o trabalho e o estudo deste grupo vão acabar, como temíamos, guardados numa qualquer gaveta. De nada vale continuarmos a aguardar por mais estudos.
Os enfermeiros desempenham uma profissão de risco. Desde logo em termos de saúde, pois lidamos, 24 horas por dia, 365 dias por ano, com os portugueses doentes, onde os limites da resposta oferecida significam viver ou morrer. Em termos físicos, pois somos constantemente confrontados com familiares desesperados ou revoltados, com doentes nos seus momentos de vida mais críticos. Mas também em termos psicológicos. Estamos exaustos, desmotivados e, sobretudo, sem forças para continuar a assumir tanta responsabilidade. Quatro em cada dez enfermeiros está em risco severo de exaustão. Situação agravada pela exigência que enfrentamos nos anos da COVID-19.
Sou enfermeiro há mais de 20 anos. Tenho visto o SNS a deteriorar-se a olhos vistos. Tenho visto os enfermeiros a serem maltratados e a emigrarem. É com tristeza e indignação que vejo o que está a acontecer à minha classe em Portugal. É lamentável que o país que mais precisa de enfermeiros seja o mesmo que mais os maltrata e os empurra para a emigração.
Aos próximos deputados, e ao Governo resultante das próximas Legislativas, exige-se mais do que apenas o respeito pelos enfermeiros portugueses. Isso já não nos basta. Pretendemos a valorização da nossa carreira, exigimos medidas concretas e que contribuam para uma efetiva mudança do status quo da última década. É preciso explicar aos portugueses, porque pagamos um salário líquido de pouco mais de €900 a um profissional de saúde que tem literalmente nas suas mãos a vida de cada um de nós. Ou será que é preciso também nós pegarmos em tratores e irmos para o meio da estrada bloquear os acessos às principais vias de circulação rodoviária?