1. O que é o Sínodo dos Bispos?

O Sínodo dos Bispos é um órgão da Igreja Católica, criado pelo Papa Paulo VI em 1965. É uma assembleia de bispos, convocada pelo Papa, sendo que é este quem define a sua agenda. Sob o título “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão” convocou, então, o Papa Francisco, o 16.º Sínodo dos Bispos; um “Sínodo sobre a Sinodalidade”. Este termo da “sinodalidade” foi criado recentemente e ainda que não se encontre nos documentos do CV II ou no Código de Direito Canónico, ainda que seja um termo sem antecedentes na doutrina da Igreja, e para o qual não há ainda uma definição satisfatória, pretende o mesmo ser expressão de uma nova linguagem, de uma nova abordagem do “ser igreja”. No contexto de uma “nova” Igreja reformada, renovada, inclusiva, a sinodalidade representa então o “caminhar juntos”, o participar, o assumir responsabilidades, o fazer parte e intervir, o estar por dentro e decidir, particularmente das pessoas e grupos que se sentem mais excluídos. De acordo com o Papa Francisco, “a sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão”; ela passa a ser uma “dimensão constitutiva da Igreja”, ela passa a ser o seu ADN, o seu novo modus operandi.

2. “Alarga o espaço de tua tenda” (Isaías 54:2)

É necessário acabar com a estrutura piramidal na igreja, é preciso acabar com o clericalismo, é necessário criar condições para que a “nova” vida sinodal da Igreja potencie, então, mais diálogo, mais inclusão, mais participação de todos. Inclusão é a ideia-forte, mobilizadora, impulsionadora que é preciso amplamente difundir e colocar em prática. A metáfora da tenda é feliz e eficaz pois ela é apresentada como um lugar mágico, de inclusão total, do qual ninguém é excluído. Na verdade, Deus é um Pai amoroso, Deus ama todos os seus filhos sem excepção, Deus não exclui ninguém. Deus, na verdade, é amor e por isso mesmo desceu dos céus e fez-se homem. E Jesus, que é Deus no meio dos Homens, na verdade, perdoa Pedro, perdoa o ladrão e a mulher adúltera, perdoa o Filho Pródigo. E sim, Deus não os excluiu, Deus perdoou-os. Mas Deus não se fica por aqui, Deus quer ainda mais para o Homem, quer o pleno. E por isso propõe-lhe um caminho, interpela-o a mudar de vida, desafia-o a esquecer-se de si próprio; convida-o à Conversão. A mensagem da Igreja, tal como a mensagem de Jesus é, também ela, uma mensagem de amor e misericórdia, de inclusão e participação; mas não deixa de ser uma mensagem (tal como a de Cristo) exigente, difícil, radical. E por isto mesmo, “muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com Ele” (João 6:66-68); e por isso mesmo também muitos dos seus fiéis tornaram para trás, e já não andavam com ela (a Igreja). Mas não foi Jesus (nem a Igreja) que os excluiu, foram eles que escolheram não assumir as exigências do “caminhar juntos” com Jesus (com a Igreja), a que também agora o Papa Francisco convida, interpela e desafia. Não confundir, assim, inclusão, acolhimento e participação com alienação, relativismo, permissividade.

3. Renovar os Conselhos Paroquiais, Presbiterais e Episcopais

A nova abordagem sinodal, de uma igreja renovada, inclusiva, mais participativa passa também por reorganizar as estruturas onde decorrem os processos de participação e tomada de decisão. Neste sentido, defendem as propostas sinodais, é preciso que os vários conselhos paroquiais, presbiterais e episcopais não sejam apenas órgãos consultivos mas, com base no denominado discernimento comunitário, passem a ter também competências deliberativas. É igualmente sugerido repensar a dinâmica das liturgias atuais, que dão excessivo protagonismo ao sacerdote que preside. É preciso, contudo, interpretar bem o sentido destas recomendações; uma maior participação e auscultação ao “povo de Deus” (que é bem-vinda) não dispensa o sacerdote, o bispo, o Papa, do fardo da última palavra. A Igreja tem a obrigação de ensinar e testemunhar as Verdades reveladas do depósito da fé e não dizer aos fiéis aquilo que eles gostavam de ouvir. Bem alertou o Papa Francisco que a Igreja não é um partido político, não é uma ONG. Caso contrário, a Igreja não seria diferente de qualquer democracia moderna, parlamentar; caso contrário, a Igreja estaria a ser conduzida como um estado moderno, ao jeito das democracias parlamentares; e a fé não vai a votos. E seria, portanto, um equívoco, um engano, uma fraude, idealizar-se a Igreja (o Corpo Místico de Cristo) à maneira limitada, redutora, incompleta… dos Homens. Claro que qualquer mudança, qualquer documento produzido, qualquer orientação ou proposta de alteração, qualquer “evolução” tem de ter por base as Sagradas Escrituras, o Magistério e a Tradição da Igreja; não pode ser de outra maneira. Não seria possível deixar de reconhecer o Novo Testamento como a Palavra de Deus; não seria possível deixar de reconhecer, no mesmo, a referência normativa para os ensinamentos da Igreja sobre a fé e a moral. A fé não vai a votos; a Igreja não é dona da Verdade, é administradora da Verdade; ela tem de a preservar, tem de a transmitir e ensinar, e não modificá-la ou alterá-la conforme os tempos, as culturas, os gostos; os padres, os bispos, os papas.

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4. A Igreja Alemã fez o seu próprio Sínodo

A Igreja Alemã antecipou-se a este processo sinodal universal e fez o seu próprio sínodo. E, apesar de interno, ela pretende que os resultados do mesmo possam ir para além das suas fronteiras, e sirvam de modelo e referência para o sínodo universal. Alguns dos vaticanistas mais conhecidos temem que a influência dos bispos ultra progressistas alemães possa contaminar os trabalhos do Sínodo Geral o que, segundo estes, acarretaria um sério risco de subversão e desfiguração da própria Igreja Católica. Seria, neste âmbito, importante (e prudente) acolher os ensinamentos de experiências e práticas semelhantes, fracassadas em outras religiões e em outros países, como por exemplo, na própria Alemanha. Os números mostram que a Igreja na Alemanha está a definhar e a desaparecer, imersa na pior crise da sua história; há milhares de apostasias anuais precisamente como consequência, dizem muitos analistas, da aplicação das propostas do sínodo alemão. Recorde-se, também neste âmbito, o chamado Sínodo Particular dos Países Baixos, realizado entre 1968 e 1970, com um discurso e com propostas muito semelhantes às actuais propostas do Sínodo da Sinodalidade e que conduziram a Igreja na Holanda a uma profunda crise. Gavin Ashenden, ex-bispo anglicano e ex-capelão da Rainha Isabel II, convertido ao catolicismo, testemunha: “Acho que os ex-anglicanos podem ser de alguma ajuda, porque já viram o estratagema da sinodalidade aplicado à Igreja da Inglaterra, com efeitos divisivos e destrutivos”. Também o agora sacerdote católico Michael Nazir-Ali, ex-bispo anglicano de Rochester nos alerta: “Devemos aprender com a confusão e o caos que resultaram do ocorrido na Igreja anglicana e em algumas igrejas protestantes liberais”. Perguntar-se-á, legitimamente, se será o modelo alemão o mais indicado para ser referência nas reformas da Igreja universal? Tendo-se revelado tão desastroso em outros países, e mesmo no seio da própria Alemanha, será então esta experiência a mais credível para servir de modelo e exemplo para o mundo?

5. Esta nova abordagem não retira à Igreja os seus epítetos de “Mãe e Mestra”

A Igreja não deixa de ser a “Mãe e Mestra” que transmite os ensinamentos de Cristo pela voz de seus pastores: “Quem vos ouve a vós, a mim me ouve” (Lc 10,16), para tornar-se numa Igreja meramente ouvinte, que escuta, que dialoga e que se questiona permanentemente sobre as Verdades, até agora consideradas indiscutíveis, imutáveis, sagradas. Esta preocupação por uma igreja mais “ouvinte” (por si só, positivo, e desejável) não deve, contudo, ter uma aplicação directa e linear; pois ainda que o bom pastor deva ouvir o fiel, os seus dramas, as suas aspirações, as suas eventuais propostas e sugestões, essa “escuta” não é vinculativa; o bom pastor deve ouvir o fiel, mas não tem a obrigação de sintonizar com o fiel;  o fiel nem sempre é fiel ( assim como o pastor, porventura). Pois, caso contrário, o critério de avaliação deixaria de ser a Verdade Revelada e passaria a ser a aceitação das aspirações e expectativas dos fiéis (ainda que estas possam ser legítimas). A Igreja Católica não é uma sociedade horizontal, mundanizada, secularizada; ela não é uma multinacional, não é uma ONG e, muito menos um estado parlamentar. A Igreja Católica sempre ensinou e testemunhou o contrário. Ou seja, toma como base as verdades do depósito da fé, conhecidas por meio da Revelação, e aplica-as à vida concreta das pessoas, tendo em consideração, naturalmente, as suas circunstâncias particulares, o tempo e lugar. A lógica do Sínodo sobre a sinodalidade não pode ser oposta a esta, ou seja, ela não pode partir de situações particulares e pessoais, e elaborar uma política pastoral e uma disciplina que às mesmas se adapte. A ser assim, seria uma abordagem que não partia da Verdade Revelada, mas de uma situação histórica concreta, particular, porventura circunstancial, à qual a Igreja se deveria, então, adaptar.                                Refira-se, para análise e reflexão, que no Documento Preparatório para o Sínodo (documento sobre a sinodalidade preparado pela Comissão Teológica Internacional – CTI; redigido com cerca de 15000 palavras), as palavras “ouvir” e “escutar” aparecem mais de cinquenta vezes e as palavras ‘arrepender-se’ e ‘arrependimento’ não aparecem uma única vez. Existe alguma justificação para tal? Existe alguma justificação para que as palavras: “processo” e “diálogo” apareçam quarenta e quatro e trinta e uma vezes, respectivamente, e as palavras: “adoração”, “louvor” e “ação de graças” não apareçam uma única vez? Por outro lado, o documento não faz qualquer referência a “maldade”, “transgressões”, “iniquidade”. Não será tudo isto algo surpreendente?

6. O Caminho Sinodal alemão (Synodaler Weg)

O Weg preconiza uma mudança de paradigma cultural na Igreja; não apenas de elementos acidentais e funcionais da mesma, mas dos seus próprios fundamentos. Veja-se o que escreve Gregor Podschun, presidente da Federação da Juventude Católica Alemã e um dos principais promotores do Weg: “Precisamos agora mudar a Igreja Católica e sua falsa doutrina pela raiz. Essa Igreja terá de ser destruída, para construir uma nova Igreja. (…) Isso parece radical e, afinal de contas, é mesmo”. O Weg apresenta-se como um processo, como um mecanismo, como um espaço que possibilita um debate totalmente aberto, permanente, a partir do qual todos os fiéis (mesmo os não católicos ou de outras religiões) são livres para dizer o que pensam sobre a Igreja. Um dos grandes desígnios é estabelecer um Conselho Sinodal Permanente, composto por pastores e leigos, o que faria da Igreja Alemã um órgão cujo funcionamento seria totalmente democrático. Este CSP funcionaria “como um órgão consultivo e deliberativo sobre mudanças essenciais relativas à Igreja e à sociedade”, e também “como um órgão supra-diocesano para planeamento pastoral e questões orçamentais”. Embora o Vaticano tenha vetado esta proposta, os bispos alemães parecem ignorar esta decisão papal, mantendo inalteradas as suas intenções. O Weg inspira-se, fazem questão de reforçar os seus promotores, nas palavras e discursos do Papa. “O Papa Francisco convida-nos a tornarmo-nos uma Igreja sinodal, a caminharmos juntos”. Esse é o objetivo da Igreja na Alemanha. Analisando, contudo, a tradição da Igreja, verificamos que esta não se revê num governo de carácter sinodal. Um Conselho Sinodal Supremo não tem qualquer base em toda a tradição e história milenar da Igreja. Há quem defenda, por outro lado, a tese de que o Weg está a desenrolar-se “próximo” do processo sinodal universal, agindo como uma ponta de lança que abre caminho para o referido processo sinodal. O conhecido vaticanista Sandro Magister, por exemplo, expressa esse temor: “O contágio do ‘caminho sinodal’ alemão, não contido pelo Papa, atravessou fronteiras e ameaça infectar o Sínodo Geral sobre sinodalidade”.

7. Abusos sexuais na Igreja

Em tese, o Weg foi convocado a fim de enfrentar e encontrar soluções preventivas para o escândalo dos abusos sexuais na Igreja da Alemanha, que veio a público em 2010. O Arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schönborn alertou, contudo, que: “Há uma instrumentalização dos abusos pois estão a usar o comportamento abusivo como instrumento para lidar com as reivindicações de reforma da Igreja e tomar decisões nesse sentido”. Ou seja, manipula-se e exacerba-se a dimensão quantitativa do escândalo, atribui-se-lhe um carácter sistémico e forja-se, assim, um clima de fragilidade, de desautorização e descrença na igreja católica e nas suas estruturas, criando-se o caldo de cultura ideal para o surgimento de algo que se apresente como sendo o “salvador da pátria”, portador de soluções repentinas e receitas milagrosas. No âmbito deste problema, preconiza então o Weg que é urgente provocar nas estruturas de Igreja uma “mudança fundamental e sistémica”, a qual passa, é claro, pela implementação de processos sinodais. Para o Weg, a causa dos abusos sexuais seria o clericalismo, a constituição hierárquica e piramidal da Igreja e a sua atual estrutura e doutrina (lá está, a instrumentalização dos abusos para obter outros fins).

8. Reações contra o Synodaler Weg

O foco do Weg não recai em questões meramente conjunturais: “ele desafia e rejeita o próprio depósito da fé tendo, por isso, implicações para a Igreja e para os fiéis no mundo inteiro, diluindo e fragmentando a doutrina católica”. Muitos católicos sentem-se perdidos, confusos, desiludidos; alguns cedem à tentação do sedevacantismo (“cadeira vaga” na Santa Sé; o Papa não é reconhecido como Papa); outros abandonam a Igreja e aderem a falsas espiritualidades, outros cedem à apostasia, outros trocam de credo e a maior parte cai na indiferença;

Embora se reclamem de “ortodoxos”, os documentos e propostas do Weg parecem inspirar-se mais nas análises sociológicas e nas ideologias contemporâneas, como seja a ideologia LGBT+ e de Género, do que propriamente nas Escrituras e na Tradição;

As propostas do Weg vêem a Igreja através da lente secular de um mundo materialista, profundamente marcado pelas ideologias, fechado sobre si mesmo, ao invés de o fazerem tendo como referência as verdades reveladas nas Escrituras, na Tradição e no Magistério  da Igreja;

O Weg quer impor uma visão ideológica à Igreja universal e quer “substituir o Evangelho por uma ideologia supersexualizada, o verdadeiro centro de gravidade do sinodalismo alemão”;

O Weg propôs-se implementar a dinâmica do “caminhar juntos”, mas está a dividir mais do que a unir (algo até reconhecido pelos seus promotores);

O Papa Francisco manifestou-se contra o elitismo do Weg, lembrando que um sínodo não é um parlamento, nem um partido político. O Papa criticou ainda o papel exacerbado das minorias militantes;

Alguns vaticanistas temem que as críticas proferidas pelo Papa ao Weg, ao dizerem mais respeito ao processo e menos à substância propriamente dita, não se demarquem das propostas mais radicais propostas pelo mesmo parecendo, neste caso, não haver grandes  diferenças quanto ao empenho de ambas as partes em reformar a Igreja; temem que, “uma vez removido o caráter ideológico e elitista, denunciado pelo Papa Francisco, as propostas do Weg possam, finalmente, ser integradas na Igreja, contribuindo assim para o tão proclamado caminho sinodal”.

A verdadeira reforma é a conversão diária a Jesus Cristo.