Depois do recente sismo de 26 de Agosto temos ouvido vários políticos e não só, a dizer que estamos bem preparados para outros sismos mais violentos que este, que possam ocorrer no futuro, e a comunidade científica a dizer o contrário, a apontar deficiências, para as quais, em geral, já propôs soluções.

Um caso paradigmático, mas não único, foram as declarações do ex Ministro da Administração Interna do anterior Governo, na CNN, no dia a seguir ao sismo, em que gabou a estratégia de Proteção Civil preventiva de Portugal, concluindo que estamos bem preparados. Mas foi o Governo de que fez parte um dos Governos que recusou terminantemente que o novo hospital de Lisboa fosse construído com isolamento de base para garantir a sua operacionalidade durante e após sismos intensos. Ou seja, tentamos preparar a Proteção Civil para socorrer os feridos e transportá-los a hospitais que não os poderão tratar. É de facto uma estratégia “brilhante”, que contribuiria para a morte de centenas ou milhares de pessoas.

Também os diversos governos demoraram mais de 20 anos a dar atenção à comunidade científica, e a tornar obrigatório o reforço sísmico de edifícios antigos com fraca resistência e grande risco de colapso em caso de sismo. Entretanto foram “reabilitados” edifícios com fraquíssima resistência sísmica, onde vivem milhares de pessoas, em que a questão da falta de resistência sísmica foi ignorada porque a Lei deliberadamente permitia isso, e as pessoas não foram informadas. Esses edifícios continuaram assim com um elevadíssimo nível de insegurança sísmica após a “reabilitação”, são autênticos caixões de luxo para levar as pessoas para o outro mundo quando esses edifícios colapsarem no próximo sismo violento. Ora, a acção da Proteção Civil no socorro às populações só se inicia depois do sismo. Mas não há problema, dirá o sr. ex-Ministro, porque estamos preparados, como se a Protecção Civil tivesse a capacidade de ressuscitar os mortos.

Temos assim uma comunidade técnica, que tem alertado para o problema e proposto soluções e uma grande parte da classe política cuja maior preocupação é esconder o problema, transmitindo aos cidadãos uma falsa sensação de segurança. A desculpa para isto é normalmente evitar o pânico e garantir a tranquilidade pública. Mas o que mata pessoas não é dizer-lhes a verdade, é ocorrerem sismos. Ao garantir a “tranquilidade pública” enganando a opinião pública com ilusões e mentiras, grande parte da classe política desincentiva a prevenção, fazendo com que no próximo sismo violento em Portugal o número de vítimas e danos materiais seja muito superior ao que poderia ser se se adoptassem as políticas preventivas propostas pela comunidade científica.

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Outro argumento que se usa contra o que a comunidade científica defende é que a prevenção do risco sísmico custaria muito dinheiro, que o país não tem, e por isso é impossível. Por exemplo a comunidade científica propôs que se incluíssem informações sobre prevenção sísmica e de tsunamis nos manuais escolares de disciplinas do ensino obrigatório. Será que a inclusão nos manuais escolares de meia dúzia de páginas a dizer que em caso de sismo com uma certa duração e capacidade destrutiva este pode ser um aviso de tsunami e por isso se devem abandonar as zonas costeiras, em particular no sul do país, levaria o país à falência? E será que os custos de melhorar a fiscalização de projectos e obras, ou a avaliação da vulnerabilidade sísmica das redes de infraestruturas aumentariam assim tanto a dívida pública? E informar melhor a população e estimulá-la a exigir garantias de resistência sísmica dos imóveis que compra ou aluga, causaria um rombo nas finanças públicas? E que dizer das escolas e infantários onde as nossas crianças e jovens estão durante tanto tempo, grande parte dos quais em edifícios antigos sem resistência sísmica mínima: será que reforçar estes edifícios para evitar a morte de crianças e jovens seria suficiente para pôr Portugal outra vez na bancarrota? Nada disto tem sentido, mesmo apesar de não se puder fazer tudo em pouco tempo.

Em 2010, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a Resolução n.º102/2010, que elenca a maior parte das recomendações da comunidade científica e recomenda ao Governo que as adopte. Infelizmente a Resolução tem sido ignorada por todos os Governos de então para cá.

Qual é a principal razão para isso? A segurança das populações e a proteção da nossa economia e da sustentabilidade do desenvolvimento económico do nosso país não é certamente. Será que é porque este assunto não dá votos? Se este sismo tivesse morto umas centenas de pessoas, talvez a sensibilidade pública fosse diferente e este tema passasse a dar votos, estimulando os políticos a adoptar as políticas preventivas necessárias. Em 31 de Outubro de 2002, em Itália, 27 crianças, dos seis aos dez anos, morreram na sua escola primária, devido ao colapso desta durante um sismo. O choque causado pelo seu sacrifício levou a que o país, entre outras medidas, tenha hoje um plano de reabilitação dos edifícios de ensino. E aqui, serão necessárias vítimas inocentes para fazer o mesmo?