Muito recentemente vimos notícias de um cenário de escassez de bens alimentares básicos nas prateleiras em alguns supermercados do Reino Unido. Este cenário pode estar prestes a ocorrer em Portugal. Em setembro de 2020, diagnosticávamos uma preocupação “Pela soberania alimentar de Portugal” e afirmávamos a obrigação moral de defender os portugueses da carência de bens alimentares, algo que já se começava a adivinhar perigosamente.
Se foi em 2020 que avisámos, é já em 2021 que a soberania alimentar portuguesa está em perigo iminente! Desde essa minha intervenção, aquilo que se adivinhava e que a geringonça quis ignorar lamentavelmente começa a concretizar-se. Vemos, diariamente, os produtos energéticos a dispararem, os adubos a subirem, os fertilizantes com IVA acrescido e os fitofármacos a preço de ouro. Tudo isto alavanca os custos de produção e de distribuição internacional, tudo isto acaba no preço de prateleira dos produtos, que não pararão de subir no futuro mais imediato.
Fruto desta conjuntura, à qual ainda acrescem o espinhoso acesso ao regadio e a difícil contratação de mão de obra, há um factual abandono de produção pecuária e agrícola neste país, por simples falta de viabilidade económica das explorações. Veja-se o drama atualmente vivido pelos produtores dos Açores que estão confrontados com preços incomportáveis, vendo como única saída o aumento de mais 12 milhões de verbas em subsídios.
Nas últimas semanas, as fileiras de produção dos vários sectores vieram alertar não só para os apertos de aprovisionamento em vários países nossos fornecedores, como também para a baixa das reservas nacionais. Por exemplo, a situação é tão dramática que Portugal só tem stock para pouco mais de 15 dias em cereais, dependendo o pão e as massas em 90% do trigo importado. Portugal é altamente deficitário em cereais, somos um dos países com o menor grau de aprovisionamento de cereais. Precisamos melhorar a produção média em relação ao milho, cereais praganosos (trigo mole, trigo duro, centeio, cevada, aveia, triticale) e também ao arroz.
O grau de autoaprovisionamento dos cereais está nos 18%, da carne em 75%, dos frutos nos 77% e do queijo em 65%. Portugal é deficitário nas carnes, sobretudo no mercado bovino, pois apenas produzimos metade do que consumimos e, por exemplo, importamos 40% da carne de porco de Espanha. É necessário alimentar toda a economia e o défice de produção em Portugal continua a crescer e a ser dos mais altos da UE-27, representando 10% do total das nossas importações. Isto significa que dependemos de outros países para nos alimentarmos.
Relativamente ao aumento de preços, até já o índice alimentar da FAO – Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas, que monitoriza mensalmente os preços dos bens alimentares agrícolas essenciais subiu 3% em outubro para o valor mais elevado na década. É mesmo preciso recuar até à crise de 2011 para obtermos valores tão elevados.
Por outro lado, a política agrícola comum (PAC) para os anos de 2021-27 trouxe-nos um dilema de Bruxelas, onde ganha a agenda ecocêntrica e se retira a primazia da dimensão da viabilidade económica e de soberania da agricultura, tal como explicámos aqui no Observador.
Em Portugal, a quase presente disrupção da agricultura nacional tem consequências nas necessidades alimentares do povo português, na soberania da pátria, na pressão da competição, na produção internacional a menor preço, no inverno demográfico nacional e na aceleração artificial dos processos produtivos. Seria antes uma política agrícola e alimentar que deveria ter o primado da atenção, como vetor essencial para uma política de ambiente, de preservação e de revitalização dos territórios desertificados do interior.
A senhora ministra da agricultura, Maria do Céu Antunes, como sempre passeia nos jardins do seu país das maravilhas socialista e vai a Espanha para anunciar promessas irreais. Quando lhe explicaram que os agricultores tinham medo de semear sem saber qual seria o preço do gasóleo quando fosse preciso colher, a resposta foi muda. E de tal forma que a CAP, de forma inédita, resolveu que já só vale a pena reunir com o Senhor Primeiro-Ministro, recusando mais reuniões com esta ministra. Talvez o senhor primeiro-ministro perceba que as alfaias agrícolas andam a gasóleo!
Ao mesmo tempo, na capital dos euroburocratas, o Parlamento Europeu aprovou uma Estratégia do Prado ao Prato que recomenda à Comissão Europeia o reforço do apoio aos agricultores. Esse “reforço” para Portugal tem o valor de 10 mil milhões de euros, mas o governo (onde está ele?) tem apenas até ao dia 15 de novembro para apresentar à Comissão todas propostas. Receio que estejamos a perder esta corrida contra-relógio. Tanto a CAP como as próprias organizações do setor, caso da plataforma “Participar no PEPAC”, falam de um autêntico tempo perdido e de uma ministra totalmente incompetente. Esta, vai remetendo toda a sua narrativa política para o famigerado Plano de Recuperação e Resiliência – PRR, com a pomposa abertura das candidaturas abrangidas pela Componente 5 – Capitalização e Inovação Empresarial. Mas será essa componente a mais adaptável à realidade da agricultura nacional? Pensamos que não.
Esta crise é uma oportunidade para afirmar a necessidade de um sector que nos alimenta a todos e que, em Portugal, representa 1,7% do PIB (somos 10º país com valor mais elevado) e emprega 7% do total da população empregada, sendo 4,1% a média da UE-27. Pensamos que, certamente, o caminho para a verdadeira soberania alimentar só pode ser a plena valorização da agricultura no país, principalmente a pequena e familiar, mediante medidas muito concretas, a boa execução dos apoios e a garantia dos mecanismos de investimento nas explorações agrícolas como o PDR2020, os Fundos do Novo Quadro Financeiro Plurianual 2021-27, o Programa Nacional de Regadios (PNRegadios) e o próprio PRR. É preciso reposicionar o setor primário e atribuir-lhe o devido valor.
Defendemos fortemente a mensagem de uma visão para a soberania alimentar de Portugal, mostrando-nos líderes internacionais na defesa do agricultor, do produtor pecuário e do pescador. Não só por ser uma mensagem patriótica, mas porque é fundamental para a economia e a sobrevivência deste povo milenar. Há muitos que dizem que somos um país sem futuro moral e financeiro, e se também ficarmos sem alimentos só haverá uma alternativa, emigrar! A solução é só uma: resgatar o país e fazer renascer a capacidade produtiva de Portugal! Temos de ser capazes de produzir pão português e colocar legumes, frutas, carne e peixe nacionais na mesa dos nossos filhos!