Somos sobreviventes de morte por suicídio. É esse o nome que se dá a todos aqueles que perderam um familiar ou um amigo próximo.
O suicídio marca profundamente os familiares e os amigos de quem morre desta forma, unindo-nos numa dor indizível e inimaginável. A perda de um irmão, apesar de já terem passado mais de trinta anos, e a perda de um amigo muito próximo, em 2023, abalou o nosso mundo que não retornará jamais ao que já foi. Os sentimentos de impotência, culpa e perplexidade continuam tão presentes ontem, como hoje.
É que, quando falamos deste tipo de morte, o tempo não é um bom aliado. As perguntas continuam sem resposta, num círculo vicioso de “ses” e “porquês” e a pergunta “que poderia eu ter feito para evitar este desfecho?”, intensifica-se.
O suicídio é um problema de saúde pública que mata 700 mil pessoas por ano em todo o mundo, sendo uma das principais causas de morte de jovens entre 15 e 29 anos. Em Portugal, e apesar de os últimos dados serem de 2013, registaram-se três suicídios por dia, número que acreditamos ser inferior à realidade.
Para além de termos já procurado ajuda terapêutica que nos ajudou, e ajuda, a atravessar este mar revolto de uma dor que nem conseguimos explicar, de tão intensa e profunda que é, percebemos que quando se começa a destapar o véu do medo, da vergonha e do estigma, todas as pessoas, de uma forma ou de outra, foram afetadas pelo suicídio de um amigo ou familiar. E percebemos que falar do tema é uma das primeiras medidas para travar a morte por suicídio.
Ninguém está sozinho, não é uma vergonha, não é um estigma e afeta todos. É provável que quem nos está a ler já tenha tido contacto com a morte por suicídio, seja de familiares, de amigos, de vizinhos, seja na aldeia, na vila ou na cidade, de pessoas ricas e pobres, de gente que parecia ter tudo, que sorria e que até ontem, aparentemente, estava “tão bem”. Sabemos que nova morte por suicídio, em círculos próximos ou não, reaviva a ferida sempre aberta dos familiares e amigos. O suicídio tem um impacto direto entre seis e dez pessoas no círculo mais próximo, como é o nosso caso, e se o ato for público, o impacto poderá atingir cerca de 135 pessoas.
Por termos perdido alguém desta forma tornamo-nos conscientes e atentos ao problema. Percebemos que as linhas de apoio não funcionam 24 horas por dia em Portugal, apesar da boa vontade dos voluntários, e determinámo-nos a dar voz pela prevenção do suicídio, criando a petição “Linha de apoio à Prevenção do Suicídio em Portugal. Suicide helpline in Portugal”.
Lançámos a petição a 30 de agosto de 2023 e, em poucas horas, atingiu as mil assinaturas. Escrevemos ao humorista António Raminhos, que partilhou a petição, e que por sua vez escreveu ao Martim Mariano, que fez o mesmo e partilhou a história pessoal, de uma beleza e coragem extraordinárias. Em pouco tempo chegámos às 3500 assinaturas. A eles, o nosso muito obrigado.
Mas nós sabíamos que o caminho teria de ser mais curto. Uma petição, para ser debatida na Assembleia da República, necessita de 7500 assinaturas válidas e o tempo para o debate é bastante demorado. Para quem necessita de ajuda, na sua hora de maior desespero, a resposta tem de ser rápida e nós, os familiares e amigos, precisamos da garantia de que, em último caso, existe uma linha está lá para todas e todos, salvando o maior número de vidas possível.
Decidimos escrever a todos os partidos políticos e, a 4 de setembro, o LIVRE reuniu connosco e abraçou esta petição de corpo e alma porque a morte por suicídio não é indiferente a nenhuma casa, a nenhuma família, a nenhum partido. A 7 de setembro, o partido submeteu a proposta de lei para a Prevenção do Suicídio e Comportamentos Autolesivos no Parlamento, secundada por uma proposta semelhante apresentada pelo Bloco de Esquerda. Na primeira votação, a 13 de outubro, a proposta de lei foi aprovada por unanimidade, tal como a proposta de um estudo epidemiológico do suicídio, apresentada pelo Bloco de Esquerda. A todos os deputados, o nosso sincero agradecimento.
Mas, a 7 de novembro, o governo caiu e todas as propostas que estavam a ser debatidas na especialidade foram interrompidas. Perante o cenário, não baixámos os braços e decidimos começar a trabalhar, compilar informação, e enviámos emails para todas as linhas de prevenção de suicídio, dos Estados Unidos à Austrália. Reunimos com a linha de prevenção do suicido dos EUA a 28 de novembro, com a linha de apoio da Holanda a 15 de dezembro, com o projeto ASIST- Applied Suicide Intervention Skills Training (EUA), a 10 de janeiro deste ano, e com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, também durante o mês de janeiro. Escrevemos um relatório, que foi enviado para os Serviços partilhados do Ministério da Saúde, mas, sobretudo, aprendemos.
Aprendemos que quase todas estas iniciativas partiram da sociedade civil, funcionam 24 horas e têm o apoio de todos os governos, independentemente do partido político eleito. Percebemos a importância da escuta empática, da ausência de julgamento, da importância de falar abertamente de suicídio, e do risco de suicídio, e que as palavras “suicídio” e “morte”, por mais dolorosas que sejam, devem ser ditas porque reduzem o estigma.
A 29 de janeiro de 2024, a lei para a Prevenção do Suicídio e Comportamentos Autolesivos foi promulgada pelo Presidente da República e estamos a aguardar a respetiva regulamentação e implementação da linha telefónica e de mensagens, que terá um número próprio. O caminho está a fazer-se e, brevemente, teremos novidades.
Nós sabemos que esta linha é apenas uma medida para a prevenção do suicídio, num processo que é vasto e longo. Continuamos a trabalhar com todos para que esta medida seja concretizada o mais brevemente possível . Mas, para todos aqueles que nos leem, queremos deixar esta mensagem: é preciso falar sobre suicídio.
Falar sobre suicídio reduz o estigma. Falar sobre suicídio deixa de ser um tabu. Falar sobre prevenção do suicídio ajuda a evitar o ato. Falar sobre a prevenção de suicídio salva vidas. E ninguém está sozinho,
Para saber mais sobre este assunto consulte o site da OMS, da SPSuicidologia e o SNS 24. Se conhece um familiar ou amigo que expresse ideação suicida, consulte o SNS 24 e siga as recomendações. Se está com pensamentos suicidas, procure um familiar ou amigo e contacte o 808242424.
Christopher Sigur é norte-americano e vive em Portugal desde 2018. Mestre pela Universidade de Columbia (Nova Iorque), trabalhou no desenvolvimento económico e político de países asiáticos, tendo vivido no Japão e no Afeganistão. O irmão mais novo suicidou-se há mais de trinta anos.
Marisa Filipe é licenciada em História e doutoranda em Espionagem Britânica em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Trabalha na área da Cultura e do Turismo. A depressão e morte por suicídio de um amigo em 2023 levou-a a ser uma das autoras da petição
Inês Cerejo é licenciada em Ciências da Comunicação e da Cultura e mestre em Programação e Gestão Cultural. Trabalha na área da Cultura e do Marketing e perdeu um amigo por morte por suicídio em 2023.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
Uma parceria com:
Com a colaboração de: