Recentemente, as ações e declarações do infame BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) fizeram soar os alarmes na esfera ocidental. Embora com algum histerismo, esta reação ilustrou com fidelidade o receio dos países ocidentais em perder influência em qualquer parte do mundo – um sinal que revela a elusiva persistência da velha vontade europeia de olhar para o mapa.

Esta mentalidade, adormecida há muito, despertou novamente com a invasão russa da Ucrânia. Havia a ilusão infantil de que estaríamos recostados a desfrutar de uma “reforma” tranquilo neste canto do mundo. Enquanto isso, os EUA garantiam a nossa segurança através da NATO e a China cuidava da nossa produção industrial – algo extremamente conveniente, pois preferimos indústrias de valor acrescentado mais confortáveis para os nossos cidadãos e os efeitos da exploração de matérias-primas no nosso território são demasiado incómodos.

Estamos no “Fim da História” e a guerra na Europa é algo da História. A doutrina Monroe descansou-nos quanto a quem pode e deve influenciar as Américas, e África foi deixada com uma bagagem pesada pelo que mais valia nem espreitar por essa janela. Deixemos o mundo girar, na esperança de que a nossa classe média continue a ser uma força consumidora importante o suficiente para que as nossas regulamentações sejam compulsivamente seguidas pelo resto do planeta, que nunca poderá dispensar o nosso mercado.

Claro que os últimos parágrafos contêm uma dose (um pouco) exagerada de pessimismo em relação à política externa europeia como um todo. Obviamente, existem iniciativas diplomáticas, acordos e estratégias em curso. No entanto, até há pouco tempo, todas essas ações pareciam carentes de grande vontade ou direção clara.

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Esta atitude pouco ambiciosa contrasta seriamente com a cólera generalizada que surge sempre que há uma aproximação entre um país “externo” e uma das personae non gratae que tentam expandir áreas de influência. Para ser mais justo, para o cidadão comum, a irritação provavelmente não vem da transferência de influência, mas sim da existência de outros países dispostos a partilhar valores que não se alinham com os nossos. Mas no fundo, isso é reclamar com resultados de eleições nas quais nos abstivemos de votar.

Ora, se há uma atitude abstencionista, é precisamente a da sociedade portuguesa. Podia até estar a falar na forma literal, o que também é verdade, mas refiro-me a um caso mais específico. É óbvio que o girar do globo não cessa nem abranda para nos deixar respirar, e portanto a polémica visita de Lula da Silva a Portugal, por ocasião do aniversário da Revolução dos Cravos, já foi relegada ao esquecimento.

Vale a pena recordá-la nos dias que correm. A ocasião suscitou um buffet de reações e, para os mais inebriados, esta visita significava tudo e o seu contrário: para alguns “patriotas”, era o expoente da corrupção e da cultura estatista da esquerda, para outros, fazia parte da “volta olímpica” após a derrota do terror autocrático que envolvia o Brasil, e para alguns restava apenas o repúdio absoluto pelas posições de Lula em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Para muito poucos, esta visita significava algo para Portugal. O interesse luso enquanto grupo de pessoas, nação ou território é habitualmente deixado para trás quando se travam batalhas ideológicas, de egos ou de ocupação de poder.

No entanto este interesse, tantas vezes perdido na névoa da guerra interna, não se impõe automaticamente no palco global. A defesa da importância, e consequente soberania, do país no mundo é um trabalho a tempo inteiro e requer um esforço considerável. Como membro da União Europeia, não podemos pensar ingenuamente que este interesse estará permanentemente na agenda, uma vez que, em qualquer entidade política, os diferentes grupos étnico-culturais procuram sempre obter as melhores condições possíveis para o seu povo, e no caso europeu isso também é verdade. Cada nação irá sempre “puxar a brasa à sua sardinha” – mesmo que de forma subconsciente.

Como fervoroso defensor do “projeto europeu” e do seu significado para a paz e a relevância de um grupo de países cujo futuro pós-guerra e pós-colonial parecia incerto e até mesmo condenado a ser relegado para segundo plano nos acontecimentos mundiais, acredito que esta dança perpétua de compromissos e negociações seja o pulsar do coração de um dos projetos políticos mais ambiciosos da História. Com uma pequena ressalva: os intervenientes devem manter algum tipo de equilíbrio.

Não havendo ilusões sobre o peso alemão e francês nesta dança, cada país da União tem particularidades e potencialidades que podem (e devem) ser exploradas ao máximo para fazer valer os seus bíceps nos inúmeros braços de ferro que compõem um agrupamento deste tipo. Caso contrário, estão destinados a um estatuto de Estado-satélite ou mesmo de mero protetorado.

No caso luso, este destino é evidente: um país de economia frágil, eternamente dependente e cuja contribuição se manifesta na forma de pagamento em géneros – exportamos “cérebros”, cuja formação requer tanto investimento público e privado português. Sendo clara a necessidade de reformas económicas para inverter esta trajetória, os limites são ainda assim evidentes.

É para mim claro que o peso português, em toda a sua extensão, pode ser aumentado utilizando o seu maior trunfo: a Lusofonia. Longe de devaneios colonialistas, saudosistas ou revivalistas do império, a união da Lusofonia em torno de projetos económicos, políticos, militares e científicos beneficiará todos os envolvidos. É por isso que a visita e as futuras visitas de qualquer presidente do Brasil importam, e importam por várias razões concretas:

Migrações lusófonas
Num contexto europeu onde tantas vezes vemos as consequências de imigrações cujo processo de integração é mal conseguido, em Portugal temos um exemplo de “imigração de luxo”: os brasileiros. A língua comum e as semelhanças culturais e religiosas fazem parte do conjunto de afinidades que sustentam este fenómeno positivo. A segunda maior comunidade expatriada brasileira está no nosso país e Lisboa é a cidade com mais eleitores brasileiros. É, portanto, imperativo acelerar a regularização e reconhecimento de todo o tipo de certificados e licenças – pessoais ou profissionais – de forma a que este fluxo encontre o menor número de obstáculos possível.

Ainda no tema da migração brasileira, tem-se verificado um aumento significativo da imigração qualificada. Às razões mencionadas anteriormente acresce o facto de a língua inglesa ainda não estar completamente difundida entre este grupo da sociedade brasileira, tornando Portugal uma paragem obrigatória.

Tal como as gerações mais qualificadas portuguesas têm migrado para o norte da Europa, contribuindo para o desenvolvimento e produção económica desses países, o mesmo acontecerá com cidadãos da CPLP que, ano após ano, veem o número de estudantes no ensino superior aumentar, estudantes esses que considerarão o único país lusófono europeu de elevado padrão de vida como destino óbvio. Esta benção cai nas mãos de Portugal e para a aproveitar é necessário uniformizar regulamentações dentro da Comunidade e entrar num crescimento económico robusto que potencie o aproveitamento do talento (português e lusófono) que prefira Portugal.

Extensão da Plataforma Continental Marítima
O processo em curso há mais de 10 anos para a (enorme) expansão da Plataforma Continental Marítima nacional traz consigo grandes promessas e responsabilidades ainda maiores. Nessa vasta área, grande parte da atividade comercial atlântica passaria, assim como cerca de 15% das comunicações mundiais por cabo submarino – o que implica uma necessidade substancial de monitorização que as forças armadas portuguesas têm e terão de assegurar.

Esta necessidade exigiria investimentos consideráveis e modernizações tecnológicas (como os recentes planos anunciados para o lançamento de satélites de monitorização a partir da ilha de Santa Maria, nos Açores) no setor da Defesa, um setor já presente dentro das suas possibilidades em colaboração com os diversos países lusófonos, mas cuja atuação na estabilidade do Atlântico Sul em conjunto com o Brasil e Angola traria benefícios económicos e estratégicos.

Também a potencial exploração de recursos minerais na área circundante dos Açores – rica em cobalto, manganês e sulfuretos metálicos – beneficiaria de uma estreita colaboração com o Brasil (assim como com a Noruega e os restantes parceiros atlânticos) devido à sua experiência acumulada na extração de recursos no mar.

Relações luso-angolanas
As relações angolano-brasileiras têm-se fortalecido e a relação luso-angolana tem aqui uma oportunidade importante de se solidificar: Angola é o terceiro maior destino do investimento português e a necessidade de mão-de-obra qualificada que fale português – num país em crescimento tecnológico significativo e que abriga um potencial considerável em termos de recursos naturais e humanos – torna a nação angolana um parceiro incontornável.

No entanto, esta parceria assenta sobre terreno acidentado: desde escândalos de corrupção a falhas na quebra de barreiras comerciais que dificultam transações e investimentos de qualidade, o Brasil de Lula – pela relação institucional e cultural com Angola, cada vez mais positiva – pode ser o “desbloqueador” de negociações que acelerará entendimentos entre os dois (ou três) países.

Para o futuro de um Portugal estagnado e sem esperança, as visitas de líderes lusófonos detêm uma importância crucial e são um recurso que vai definhando à medida que os fatores diferenciadores portugueses nessas relações se desvanecem. As oportunidades não são infinitas e “a mesma água não passa duas vezes por baixo da ponte”.

Uma visita de Estado, um aperto de mão ou um evento diplomático nunca serão apenas atos cerimoniais. São demonstrações de direção estratégica, de influência, de cooperação. São oportunidades que definem relações: se não forem vistas desta forma por aqueles que têm a responsabilidade de as definir, não passarão de turismo institucional e já dependemos demasiado disso.