As alterações ao currículo da disciplina de Matemática foram homologadas na semana passada. Na avaliação da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), estas alterações atiram a aprendizagem da disciplina no ensino secundário para “mínimos históricos inexplicáveis”, representando “um grande retrocesso”. Concretamente, a SPM identifica nestas alterações “concepções antiquadas e anticientíficas predominantes há 50 anos e completamente ultrapassadas pela investigação científica moderna”, com implicações na preparação dos jovens para cursos no ensino superior. E sentencia: os “alunos que queiram prosseguir áreas científicas com forte componente matemática vão ter um conhecimento matemático muito insuficiente, o que condicionará decisivamente o sucesso no ensino superior e na prática profissional consequente”. Para os curiosos, o parecer completo da SPM detalha estas e outras afirmações.
Dir-me-ão: é só mais uma reforma curricular, para quê dramatizar? Porque, confiando no parecer da SPM, esta reforma não só reduz o patamar de exigência como expõe o desalinhamento do sistema educativo português face à tendência internacional: aligeira o ensino da Matemática, em vez de o reforçar. Achar que isto não arrasta consequências profundas e duradouras é uma ilusão.
São vários os desafios presentes e futuros que justificam o reforço da aprendizagem da Matemática, tanto em termos de conhecimento (literacia matemática) como de competências (pensamento abstracto, raciocínio, lógica). Em França, isso foi entendido e 2023 será “o ano da promoção da Matemática”. A disciplina voltará a ser de frequência obrigatória para todos os alunos do ensino secundário e a estratégia passa pela “reconciliação dos alunos” com a disciplina, através de um largo conjunto de medidas. No 1º ciclo do ensino básico, mais formação contínua de professores em Matemática. Nos 2º e 3º ciclos do ensino básico, incentivos à criação de clubes de matemática, e um apoio direccionado: os alunos do 6º ano com maiores dificuldades a Matemática terão acesso a aulas em turmas reduzidas para um apoio mais individualizado à aprendizagem. No ensino secundário, apoios aos alunos e obrigatoriedade de, pelo menos, 1h30 semanal de Matemática.
No Reino Unido, o primeiro-ministro Sunak dedicou o primeiro discurso de 2023 à importância do ensino da Matemática e manifestou a sua intenção: que todos os alunos do ensino secundário estudem matemática até aos 18 anos, passando a integrar o tronco comum das disciplinas obrigatórias (hoje, apenas cerca de metade dos alunos frequentam aulas de Matemática). As prioridades estratégicas do primeiro-ministro inglês foram claras: é necessário “reimaginar a abordagem à numeracia”, preparar para um mercado de trabalho onde há dados e estatísticas em todos os domínios, e dar confiança às pessoas que têm de lidar com questões financeiras no seu dia-a-dia.
Estes são exemplos muito recentes, mas vários outros países e grandes economias mundiais têm ensino da matemática ao longo de toda a escolaridade obrigatória e apostam fortemente nessa disciplina. Trata-se, também, de uma opção estratégica e de competitividade num mundo global e interligado. Curiosamente, na Educação, em Portugal raramente se discutem as políticas públicas sob essa perspectiva de competitividade internacional. É um erro: quanto melhor for o nosso sistema educativo, mais bem preparados estarão os nossos jovens para os desafios económicos e sociais do país, assim como mais atractivo será Portugal enquanto destino empresarial e de imigração qualificada.
Ora, no ensino e na aprendizagem da Matemática, Portugal está a fazer o caminho inverso dos países acima referidos: aligeirou o currículo da Matemática para “mínimos históricos inexplicáveis”, em vez de o aprofundar ou alargar a mais alunos nas escolas. Em contraciclo com as economias mais desenvolvidas do mundo, Portugal mantém os olhos fixados no seu umbigo, iludido com alegados milagres educativos. Enfim, não tenho eu próprio ilusões: num país que só se interessa pela Educação quando as escolas fecham com greves, seria improvável que este assunto merecesse a atenção que França ou Reino Unido lhe atribuíram. É uma pena, porque isto assim não tem como correr bem: quem escolhe horizontes curtos não vai longe.