Quem não gostava de ter um mercado reservado para si, impedindo a entrada de concorrentes e, sobretudo, travando qualquer inovação que possa tornar o serviço mais fácil, mais cómodo, mais conveniente para o utilizador final e até mais barato?

Quem não gostava de operar num sector onde a regulação é muito fraca, a avaliação do mérito e da qualidade são inexistentes e a possibilidade de enganar os clientes em proveito próprio é grande?

Infelizmente são muitos os que gostavam e gostam de operar assim. E os taxistas não são excepção.

Pelas mãos da ANTRAL (Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros) chegou ontem à Assembleia da República uma petição onde se pede o encerramento do serviço Uber, a aplicação de telefone móvel que coloca em contacto imediato quem precisa de transporte dentro de uma cidade com quem pode prestar esse serviço.

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Argumenta-se, claro, com a suposta ilegalidade do serviço, o que levanta muitas dúvidas entre especialistas – basta pensar que a Uber não transporta ninguém, limita-se a estabelecer o contacto entre quem precisa de se deslocar e quem fornece esse serviço.

Mas, não vá o legislador ter a tentação de alterar a lei para colocar a Uber claramente dentro das regras, os taxistas não pedem menos do que isto: “fazer cumprir a lei e determinar o impedimento da instalação e funcionamento da empresa Uber em Portugal e como reforço, se necessário for, da promoção de enquadramento legislativo clarificador”.

Ou seja, não sendo a lei inequívoca, defendem os taxistas que ela deve ser alterada no sentido de deixar bem claro que essas “modernices” são mesmo ilegais. O mercado é todo deles e da forma que eles querem e não devem ser permitidas novas formas de concorrência. Já tinham, aliás, feito a mesma guerra contra os tuk-tuks que os turistas adoram.

Não sei em que cavernas tem andado esta gente mas é preciso explicar-lhes que cá fora há um mundo em permanente evolução e inovação onde diariamente modelos de negócios instalados, com séculos, estão a ser desafiados. E que há um sentido comum na generalidade das mudanças induzidas pela tecnologia: o poder é cada vez mais dado aos consumidores, que decidem o que querem, onde querem e como querem. E no fim, pasme-se o atrevimento, esses consumidores ainda avaliam os produtos ou serviços que acabaram de comprar, deixando pública opinião que é útil para os que virão a seguir.

É, de facto, de um enorme incómodo permitir que os clientes possam optar entre o serviço tradicional de táxi e estas novas formas de contratação, mais convenientes, transparentes e baratas. Mas quem é que eles, os clientes, julgam que são para poderem escolher o seu “táxi” entre vários que estão próximos? Para poderem escolher vários níveis de serviço e de preço? Para saberem à partida quanto tempo o automóvel demora a chegar? Para terem uma noção do preço que vão pagar antes de contratar o serviço? Para pagarem directamente no cartão bancário sem o eterno problema dos trocos? Para poderem fazer uma imediata avaliação da qualidade do serviço assim que ele é concluído? Não há paciência para clientes exigentes.

Quem anda de táxi em Lisboa percebe o receio dos instalados em dar poder e liberdade de escolha aos consumidores. E quem tem o azar de apanhar táxi nas chegadas do aeroporto sabe isso a dobrar.

Não sendo o único, este é provavelmente o sector mais retrógrado e que menos evoluiu no sector dos serviços em Portugal estando cada vez mais afastado de uma qualidade média que, felizmente, tem aumentado na restauração, hotelaria, transportes e comércio em geral.

Perante a ameaça da Uber, os taxistas tinham duas alternativas: tentar travá-la na secretaria ou desenvolver um serviço semelhante, aproveitando a vantagem da capacidade instalada – os táxis – que têm nas cidades.

Escolheram, tristemente mas sem surpresa, a primeira. Será, felizmente, uma luta inglória. Travar as Ubers que todos os dias nascem nos mais variados sectores será tão bem sucedido como tentar pôr a Terra a girar ao contrário. É recusar o desenvolvimento, a criatividade, a inovação, a democratização económica, em nome do imobilismo egoísta. Graças ao desenvolvimento tecnológico, nunca, como agora, os consumidores tiveram acesso a tantos serviços e a tantas opções de escolha. E nunca, como agora, aqueles que têm ideias de negócio e novas soluções para os problemas do dia-a-dia tiveram um acesso tão nivelado e barato aos mercados.

Não nos passaria pela cabeça que as velhinhas mas importantes empresas de correios tivessem tentado bloquear o aparecimento do email, que as estações de televisão se tivessem oposto ao Youtube, que as livrarias avançassem com providências cautelares contra a Amazon ou que as lojas de pronto-a-vestir queriam fechar a Farfetch.

E, naturalmente, já ninguém está disponível para abdicar de nenhum destes serviços nem de todos os outros que a economia da rede e da partilha tem permitido.

A polémica sobre a Uber é simbólica das forças que opõem a velha à nova economia. É uma boa oportunidade para os legisladores mostrarem claramente de que lado estão desta barricada. É de liberdade económica que se trata e aqui não pode haver hesitações. A menos que queiramos recuar um século no tempo.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com