A VI Cimeira entre a União Europeia (UE) e a União Africana (UA) acabou de se realizar quinta e sexta-feira da semana passada em Bruxelas e as suas conclusões foram resumidas em oito pontos:

  1. reconhecimento dos desafios e das oportunidades comuns;
  2. duas uniões, uma visão comum;
  3. uma parceria renovada;
  4. África e Europa sustentáveis e prósperas;
  5. renovação e aprofundamento da cooperação para a segurança e paz;
  6. uma mais profunda e recíproca parceria para as migrações e mobilidade;
  7. um compromisso multilateral;
  8. financiamento para sectores específicos, nomeadamente a paz, a segurança e a gestão governamental.

A situação em Cabo Delgado no norte de Moçambique é, sem margem para dúvidas, uma das questões-chave que originaram esta vontade comum entre os estados da UE e da UA em desenvolver e multiplicar esforços no sentido de uma ajuda comum que possa derrotar, localmente, os desafios impostos pelo terrorismo jihadista que assola toda a região.

Neste contexto, colocam-se vários desafios a todos os envolvidos porque, em alguns casos, os países que combatem a ameaça terrorista, estão sob o regime de sanções da União Europeia. O caso mais flagrante é o do Zimbabué, onde o atual presidente, Emmerson Mnangagwa, se tornou um dos maiores expoentes desse combate, destacando cerca de 304 militares e polícias para socorrer Moçambique, um país parceiro na SADEC, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral. Este foi o segundo maior destacamento, apenas superado pela África do Sul.

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Os objetivos dos jihadistas não se concentram somente na zona de Cabo Delgado, existindo indícios claros de que o objetivo deste novo califado é conquistar o coração da África Austral. No entanto, existem razões para que as sanções ao Zimbabué tenham sido impostas em 2002. Estas sanções foram, ao longo dos últimos anos, adaptadas, reavaliadas e reconsideradas. Se na sua origem tem o Reino Unido como principal promotor, essa influência para manter as sanções da UE depois do Brexit passou a ser exercida através de estados-membros que podem ou não garantir a manutenção das mesmas. É preciso notar que o Zimbabué tem feito recentemente esforços no sentido de ir ao encontro de um regime mais amplo de direitos, liberdades e garantias. O presidente Mnangagwa tem avançado com reformas quer no domínio da liberdade de imprensa, quer na reforma agrária da agricultura, como também nas medidas para impedir a violência política exercida por alguns dos seus ministros. Prova disso é a recente demissão do ministro do Interior.

A União Europeia encontra-se neste momento disposta a rever o regime de sanções para levantar o embargo militar e permitir uma renovação do exército do Zimbabué, de forma a possibilitar um reforço da luta contra o Daesh em Cabo Delgado. O Burundi beneficiou também recentemente de um levantamento das sanções, em vigor desde 2016 – o que, mutatis mutandis, não faz sentido não ser aplicado ao Zimbabué.

O país terá eleições em 2023, o presidente Mnangagwa é candidato à reeleição e, obviamente, a questão das sanções é importante do ponto de vista político e eleitoral, mas também económico.

A União Europeia confronta-se, neste caso, com uma questão de realpolitik e a realidade africana não corresponde exatamente à ideia que os europeus têm em termos de experiência democrática. Mas a verdade é que a UE se encontra, neste caso específico, numa situação desafiante que é a de não querer prejudicar a luta contra um inimigo muito difícil e perigoso, mas sem renunciar à defesa dos direitos humanos que são a base da sua política externa. O recente levantamento de sanções a três personalidades políticas do Zimbabué é um passo em frente neste reconhecimento do papel de Harare no combate ao terrorismo.

Este dilema em que se encontra necessita de ser resolvido rapidamente. Por isso, é essencial encontrar um compromisso que permita que o Zimbabué mantenha o seu papel de combate aos jihadistas, com uma reavaliação da situação que levou à aplicação de sanções. A nomeação deste país como membro do Conselho de Paz e Segurança é uma prova flagrante de que a União Africana reconhece ao Zimbabué um papel preponderante na luta contra os terroristas jihadistas.

É este compromisso nem sempre fácil que poderá fazer dos estados-membros europeus verdadeiros parceiros dos congéneres africanos. Sem esta “terceira via”, dificilmente os pontos acordados na cimeira entre a União Europeia e a União Africana poderão um dia ser concretizados.