A dignificação de uma profissão, especialmente de uma profissão com a nobreza e responsabilidade dos bombeiros sapadores, não se faz com motins, com petardos, nem com pneus incendiados. Não se faz ocupando as escadas da Assembleia da República. E, certamente, não se faz com atos de grotesca selvajaria. É preciso lembrar que falamos de bombeiros sapadores, profissionais do Estado, servidores públicos. Atos desta natureza contradizem por completo a essência da função que exercem.

Os bombeiros sapadores em Portugal têm um estatuto específico: são corpos de bombeiros inteiramente profissionais, sem espaço para o voluntariado. Estão sob a alçada das câmaras municipais, integrando a administração local, e, por isso, os seus salários e subsídios dependem dos orçamentos municipais, com a tutela, ainda que indireta, do governo central. São, portanto, profissionais cujo sustento e condições de trabalho dependem da articulação entre autarquias e governo em termos orçamentais.

A seleção destes profissionais não é simples. Após rigorosos processos de recrutamento, os bombeiros sapadores passam por uma formação exigente numa das duas únicas escolas existentes no país: o Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa ou o Regimento de Sapadores Bombeiros do Porto. Nessas instituições, são instruídos de forma exemplar em diversas áreas: combate a fogos urbanos e florestais, desencarceramento, manuseamento de substâncias perigosas, entre várias outras. A formação é pautada por um elevado nível de exigência, rigor e dedicação, incutindo-lhes um espírito de sacrifício e entrega às comunidades que servem. Sim, são treinados para servir.

Perante este cenário, não é aceitável que profissionais tão bem preparados, para todos os efeitos quase uma força de segurança pública de elite, recorram a protestos desordeiros, comportando-se como refugo. Quero respeitar os bombeiros sapadores pelo que eles são e pelo que representam: um corpo de homens e mulheres que colocam a sua vida em risco para proteger a de outros. Um corpo de salvação nacional. Porém, como posso respeitar bombeiros que, tendo sido formados para proteger a sociedade e os outros, ateiam eles próprios fogueiras de pneus e lançam petardos em manifestações? Seria o mesmo que um médico, treinado para salvar vidas, se negasse a fazê-lo como forma de protesto. Ou que um professor, preparado para educar, se voltasse contra os seus alunos. Ou, ainda, que um juiz fizesse justiça ao contrário, conscientemente, para reivindicar melhores condições. Estas imagens, absurdas em si mesmas, tornam-se ainda mais graves quando falamos de profissões que, tal como os bombeiros sapadores, carregam a responsabilidade de servir o bem público.

Num país como Portugal, que há 50 anos conquistou a democracia e onde alguns têm feito um esforço titânico para a manter, observar estas ações em nada contribui para o progresso social que tanto precisamos. É triste e é preocupante assistir a manifestações que, ao invés de elevarem as reivindicações, as destroem, transformando-as num espetáculo irresponsável. Não está em causa a liberdade de manifestação. E a sua legitimidade. Está em causa a forma como decorreu a manifestação.

Defender a dignidade de uma profissão é um ato nobre e legítimo, mas deve ser feito de forma digna, com respeito pelo próprio país e pelos cidadãos a quem se serve. Não é com fogo, destruição e ocupação que se constrói o respeito, mas com a integridade e o exemplo de quem, todos os dias, arrisca a vida pelos outros. Quero acreditar que um grupo de desordeiros de pseudo-elite não representa os profissionais sérios que temos em Portugal e que são os bombeiros sapadores. Mas, como em tudo na vida, o precedente está criado e a imagem desceu baixo, muito baixo. Aguardo com esperança uma imagem conjunta desta força e profissão que a dignifique e faça apagar o que eu e todos vimos. Ou, ao contrário, não havendo uma imagem forte e dignificadora, teremos mais um sério problema de credibilidade, sendo que para as populações é fácil passá-los de heróis a vilões. O espetáculo que encenaram esteve ao nível de um espetáculo de bas-fond. Tristemente.

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