rafael(Nota: sempre que me referir a “movimento woke”, “wokismo”, etc., estarei a referir-me a um conjunto de movimentos, plataformas e pessoas que defendem ideias tão diversas como o neorracismo – conhecido entre as pessoas de esquerda por antirracismo -, o feminismo, as questões da identidade de género, entre outras, e que têm vindo a colonizar e politizar instituições do Estado e da sociedade civil no mundo ocidental, com graves prejuízos para a liberdade de expressão).
Sempre que um político atinge uma vitória esmagadora num ato eleitoral, e provoca uma mudança de ciclo, existe uma tendência daqueles que o apoiam – ou, pelo menos, daqueles que gostam ainda menos de quem está do outro lado – para extrapolar essa vitória para outras áreas da vida, sobretudo, para a cultura. “Esta vitória foi provocada por uma mudança cultural profunda, que tornou a população mais simpática à visão de sociedade do candidato vencedor”, é o que, regra geral, se costuma dizer. Foi precisamente o que aconteceu com a eleição de Donald Trump.
A estrondosa vitória eleitoral dos Republicanos – não só Trump venceu no colégio eleitoral e no voto popular, como o GOP está na iminência de ter uma maioria no nas duas câmaras do Congresso – animou os comentadores internacionais e nacionais a tirar conclusões, a meu ver, precipitadas. A principal delas, é a de que o movimento woke está ferido de morte. Afinal de contas, Kamala Harris fez uma campanha inteira baseada nos principais talking points daquele movimento: votem em mim porque eu sou uma mulher negra (a razão principal, senão mesmo a única, para ela ter chegado à vice-presidência dos EUA); votem em mim porque eu vou criar leis pró-aborto – que é como quem diz, anti-vida – a nível federal; votem em mim porque eu vou ter programas direcionados ao eleitorado afro-americano; etc. A sua derrota, e a da sua “coligação do arco-íris”, é o sinal inequívoco de que o movimento woke, no Partido Democrata e na sociedade americana em geral, está a morrer e é massivamente rejeitado. Mas será?
Estou convencido de que não. Aliás, não só estou convencido de que o movimento woke não foi derrotado, como irá recrudescer a sua ofensiva nos próximos anos. E penso assim, em primeiro lugar, pela forma como o eleitorado votou em Trump: com a carteira. O eleitorado votou com a esperança de que Trump lhes devolvesse poder de compra; é esse o seu mandato. Não houve uma rejeição do wokismo, mas antes a rejeição de alguém que tinha pouco mais a oferecer para além disso. Certamente que existem pessoas que votaram em Trump que estão preocupados com os temas das chamadas “culture wars”; mas são uma minoria.
Uma segunda razão que me leva a acreditar na permanência do movimento woke é o facto de as suas bases de apoio continuarem mais ou menos intactas, sobretudo na academia. Apesar de começarem a existir contraofensivas interessantes a este respeito, como a criação da Universidade de Austin (UATX), a verdade é que as Universidades continuam com um corpo discente e docente predominantemente de esquerda, que está mais do que disponível, em números crescentes, para calar, perseguir, e, em alguns casos, até agredir quem discorda das suas visões políticas. Fora dos bastiões progressistas dos campus universitários, estamos também a assistir ao ressurgimento de movimentos radicais associados à esquerda, como aquele de que o jornal Público deu conta com a seguinte manchete: “Com a eleição de Trump, o movimento 4B ressurgiu – e diz às mulheres para viverem sem homens”. Como este, hão de ressurgir muitos outros, com velhas-novas reivindicações, indignações e males que precisam de ser reparados.
Por fim, uma terceira razão que me leva a considerar que o movimento woke não está morto e que ainda exerce bastante influência no Partido Democrata, é a reação dos dirigentes daquele à derrota estrondosa de dia 5. Tirando Bernie Sanders, que compreendeu que o problema do Partido foi desviar-se das preocupações do homem e da mulher comum para os problemas de identidade – tendo a campanha de Harris representado a epítome deste desvio -, os outros democratas preferiram culpar Joe Biden em exclusivo pelo fracasso eleitoral. “Foi a húbris do velho em querer concorrer que nos roubou a vitória!”, dizem eles, em fúria. Certamente que Biden tem a sua quota parte de culpa. Não deveria ter sequer chegado a candidato para estas eleições. Mas os democratas são cúmplices desta opção, não tivessem eles passado meses e meses a mentir sobre o estado da saúde mental do Presidente, espetando-lhe uma faca nas costas quando ficou claro que Biden não tinha as mínimas condições para continuar. Mais: votando os eleitores com a carteira, e estando a inflação alta, Harris e os democratas deveriam ter apostado em apresentar-se como reformadores da economia. Ao invés disso, escolheram fazer uma campanha ultra consensual em torno do aborto… Não é de admirar, portanto, que após um entusiasmo inicial, o eleitorado tenha gravitado para a opção que parecia garantir a mudança. Foram estes erros, a que podemos juntar a péssima escolha de uma nulidade política como Harris para candidata, e a preterição da escolha de George Shapiro, da Pensilvânia, um swing State, para VP – com a justificação absurda de que, por ser judeu, poderia alienar o voto muçulmano –, que verdadeiramente causaram a brutal derrota dos democratas. O facto de eles não admitirem isto, é a todos os títulos revelador do quanto o Partido Democrata, por se ter tornado o partido das elites progressistas e das causas das franjas, perdeu o contacto com a realidade.
Agora que estão apresentados os motivos pelos quais o wokismo continua vivo na sociedade americana e no Partido Democrata, o leitor atento perguntar-me-á: estando o movimento woke vivo, e ainda podendo causar estragos, ele estará mais fraco ou mais forte no mandato Trump?
Por enquanto, creio que veremos a irrupção – o ressurgimento, como escrevi em baixo – de alguns movimentos dispersos, em revolta contra a recém-conquistada maioria Republicana, mas nada com grande significado. No entanto, e conforme a maré da red wave for baixando, principalmente nos anos de 2026 e 2028, creio que assistiremos a um recrudescer da agressividade verbal destes movimentos no espaço público. No ano de 2028, em particular, não descarto a possibilidade de surgirem pretextos – confio na capacidade dos meios de comunicação americanos para agarrarem numa história e darem-lhe uma importância indevida só para gerar raiva e revolta – para protestos e movimentos similares aos que aconteceram na sequência da morte de George Floyd, em 2020: fomentar o caos e a desordem é sempre negativo para o incumbente, quer ele seja da cor política dos desordeiros quer não.
Por fim, e quanto ao Partido Democrata em si, não vejo que estejam a perceber o porquê de terem perdido, portanto, não espero que corrijam os seus erros. (Muito pelo contrário: no dia em que estou prestes a entregar este artigo, já li umas cinco colunas de opinião a explicar a derrota democrata com o sexismo dos hispânicos, a crença da maioria da população de que o sexo biológico existe, entre outras barbaridades que só gente alienada da realidade consegue escrever). Quer isto dizer que, se o novo mandato de Trump não for um desastre, então existe uma probabilidade não despicienda de em 2028 vermos renovado o mandato republicano com um novo Presidente… Ou, pelo menos, assim Deus queira!